sábado, 23 de julho de 2011

Propriedades dele e dela - Parte II (Dispersão)

Como uma foto três por quatro, sério, mudo e de ouvidos sensíveis, atentos ao menor dos barulhos.
Como um mero lembrete de geladeira, imparcial e alheio ao teor da mensagem; o lembrete é apenas ele mesmo, sem a carregada responsabilidade do significado. Como um copo vazio, que cheio foi e vazio também, que recebeu líquidos dos mais diversos e que com a mesma lânguida cadência, ou não, se despediu dos mesmos.

Com afabilidade de serpente.
Com a indispensabilidade e repugnância da moeda.
Com a gargalhada do teclado em direção aos pensamentos e aos nervos do escritor.
Com o trepidar do telefone.
Com a eficiência da palavra (nesse caso em específico, não).
Com a doutrina da fé e a roupagem sacerdotal.

A raposa, o veado, e o grito de toda fauna nas ruas cinzas de concreto impregnando cinturas, ombros e colos...

 A ociosidade que putrefaz o pensamento, consolida a discórdia, evolui a cognição e ratifica a ignorância...

Pensamentos esparsos, que de tão dispersos gaseificam o sentido e solidificam a confusão.

Tais coisas acima escritas podem vir um dia a se transformar em bloco, pedregulho ou filosofias sem crédito. Foram escritas num bloquinho de viajante, de andarilho ou nômade urbano, que na ociosidade, esta fruta da desventura ácida de suas próprias experiências, o assédio da mais pura reflexão lhe é quase que insuportável e agonizante. Pensar é a única vicissitude que lhe resta.
Costuma-se dizer, nas mais inspiradas rodas de artistas das letras, que as personagens dos livros ganham força quando tendem a pedir as coisas, quando ela, de dentro do seu mundo paralelo, começa a questionar a essência que torna a raça humana assim tão singular: a intriga dos sentimentos no nosso interior.
E é com a ajuda do nosso morador de rua (o leitor mais assíduo o lembrará com facilidade) que permaneço nas propriedades, possam-se dizer orgânicas, dele e dela. Orgânicas? Bom, massificar o abstrato é próprio de escritores jovens, que na sua masturbação pueril nesse lúdico mister que é escrever tendem a achar tudo uma mera confluência de traços invisíveis, dispersos no ar e no interior das pessoas. Não é minha intenção nadar contra a corrente, sem nenhum trabalho publicado, seja por editoras, seja por novas tecnologias móveis, continuarei a caminhar como ovelha junto desse rebanho de indivíduos em busca de uma identidade.
Vínhamos falando da mulher e de sua natural tendência ao “não-amor”, visto que ela é a própria significação desse ser materializado e invisível ao mesmo tempo, que poetas, filósofos, matemáticos, psiquiatras e psicólogos tentam mais não conseguem definir. Temos no sexo o ápice do significado de prazer, uma confluência de líquidos que exprimem a essência dos gêneros, a sofisma do empirismo leviano, maledicente. Tudo isso é o sexo, mas e o amor, e a expressão “fazer amor”? De onde veio e aonde vai?
O nosso morador de rua se compraz nas artes visuais. Pra ele o mundo é extremamente alusivo, como uma pintura, cada um tem uma função nesse sistema que premia não as aptidões, mas a sensibilidade e o oportunismo. E fora desse mundo de valores invertidos, poderá melhor que este autor de ainda cabelos louros no queixo, o nosso intrépido nômade explicar melhor de que é feito o homem e a mulher, quais as origens das falaciosas intrigas entre os dois, quais as suas reais diferenças, semelhanças e funções. Este é um texto de muitos canais com o objetivo claro de fazer elucidar as coisas. Mas temos que nos acostumar a nem sempre termos os objetivos alcançados. Mas tudo que se inicia na dispersão tende a terminar no vazio.
Está claro para o morador de rua que a mulher é um ser muito mais completo, mais plugado, mais sintonizado, mais à frente. O homem é todo nervos, é todo sensível, é todo necessitado de estímulos. A mulher planeja, desdenha, acarinha. O homem vive, grita, esperneia. A mulher consegue ser reservadamente espontânea, calidamente apaixonada. O homem exala a sua masculinidade no palco e sabe que o espetáculo tem hora pra começar e acabar. Enquanto que a mulher dirige o espetáculo...
Continua!

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Propriedades dele e dela - Parte I

          Passaram-se décadas desde o seu epílogo de amor. Vivera todos esses anos no enclaustro da dúvida, da angústia. Aquela paixão arrebatadora, aquele infindo mar de prazeres inequívocos, certos e parelhos. Toda aquela sensação de companhia certa, almas originárias de apenas uma aura. Mas teve fim, um fim precoce. De uma explosão divina de felicidade para um marasmo de resignação.

            Ele, na condição de irrefletido do cotidiano, passou a murmurar sonhos dos quais ela era a pedra fundamental. Essa pedra fundamental era um misto de ingenuidade angelical, sinfonia de harpas, confluência de líquidos prazerosos, odores inebriantes com alma maledicente, intencionalidades falaciosas e periculosidades pré-menstruais. Como espelhos, um recôncavo e outro convexo, parelhos... a mirarem-se numa mútua peleja de expressões divinas e diabólicas.

            Seus sonhos murmurados eram nada mais que necessidade fisiológica. As funções no organismo regidas pelos sentimentos agora lhe borbulhavam todo o corpo, nessa metafísica desvairada que todo homem precisa ter para AMAR. Ela, na condição de mulher, já nasceu preparada, permanece mergulhada no canal que liga a resignação com a expectativa, o desinteresse com a perplexidade, a intelectualidade com a dualidade da emoção.

            Ela é argumentativa, crítica, moral, espirituosa, externa todos os seus pontos de vista e lhe injeta doses cruas de realidade. Ele necessita se inteirar de sentimentos, necessita percorrer todos os meandros da dor que é AMAR e se sentir amado, precisa ser uma coluna espessa de imaterialidades, ela é a lacuna dessa irreal coluna, uma lacuna que será preenchida por uma ideia sensível e tangível.

            Mas o amor é um só, e ele é inteiramente maleável, é uma massa redonda onde uma grande quantidade de matéria pode se desligar do núcleo e se vincular a outros corpos, o amor divisível é próprio do homem, próprio de sua natureza. E para os nossos dois personagens, ele e ela, a intelectualidade amorosa dela fê-lo se tornar perito no especular da intuição, na afetividade oriunda dos sentidos. O homem ouve, cheira, come e ama.

Continua...