quarta-feira, 30 de março de 2011

Uma imagem de infância

            Nos já longínquos tempos da década de noventa um ser diferenciado habitou a minha casa. Era o Milu, um cachorro vira-lata que desprendia atenção das mais pacatas e “invibrantes” pessoas.
            Tinha aguçada a sagrada característica canina de conversar com os olhos. Certa vez, ao contar uma de suas incontáveis anedotas, minha mãe, uma jovem-velha alegre extraiu sorrisos atônitos de Milu, que pululava de um lado para o outro enquanto latia. Seus olhos germinavam pontinhos brilhantes. Os que estavam a ouvir as velhas lorotas da minha mãe, que tinha de cenário os idos tempos de nordeste, ficaram embasbacados com o jovem cão a fazer-se gente.
            Da janela de casa podia-se ver o serelepe cãzinho no quintal a caçar as borboletas; a língua pra fora, os malogrados saltos, as patas unidas nas tentativas frustradas de alcançar as coloridas asas do inseto. Entre uma tentativa e outra, um salto e outro, Milu olhava, de relance, para a janela onde estava como se me convidasse a caçar as intrépidas borboletas com ele. E seus olhos me humilhavam com aquela alegria simples.
            Começava a me intrigar aquele cão. Quando a fome se lhe apresentava, ele nos atirava um olhar sedento, o frio os fazia minguar, o calor os trazia sonolência. E assim, de sensação em sensação, do trépido rabo a balançar à língua pra fora a gotejar, de latido em latido, Milu conversava. Fazia-nos mergulhar no imaginário da linguagem, no mais absurdo das interpretações, no fantástico mundo das ideias. Milu era um livro do Graciliano, do Virgílio e do Vitor Hugo. Compreendida a clareza de seus gestos se chegava a palpar o seu interior, interior de cão, que nada mais quer além do interior do homem.
            Era um insulto aquele cão. Admirado por todos os vizinhos, assistido por todos os transeuntes, Milu adorava ser gente em meio a gente. Jogava baralho com a terceira idade na praça, corria de um lado para o outro na “queimada” das crianças, ajudava pessoas cegas e velhinhas a atravessarem a avenida e ria das lorotas de mamãe.
            As orelhas baixas, focinho fino, quase pontiagudo, as manchas negras e beges contrastando com o resto branco, o corpo e os gestos magros, simples. As patas eram as responsáveis por resplandecer suas vicissitudes.
            Eu era indiferente, me fazia de difícil com os encantos do vira-lata. Complexava-me com a humanidade integral do cão. Mas aos poucos fui me rendendo, como se faz aos livros.
            Foi nesse período de convalescença moral da minha repulsa implicante ao vira-lata que aconteceu uma das dores mais fortes da minha vida. Daquelas que deixa nódoas na alma.

            A tristeza de seus “fãs”, a minha tristeza. A morte de Milu. Como se herói fosse, no apagar do brilho de suas retinas.
           
            Todos em casa permaneceram cabisbaixos durante muitas semanas. Outros animais de estimação chegaram na tentativa (absurda) de substituir o cachorro que era homem. Claro que não deu certo, afinal aquele vira-lata não era homem, cão, gato, ou coisa alguma, era um ser abstrato incapaz de caçar borboletas. Milu era uma ideia insultante, dessas de revolucionários.

terça-feira, 22 de março de 2011

Asséptico Mal

O produto do mal é apenas vivenciado, como se uma onda de resignação pairasse por sobre a opinião formadora de opinião.
O mundo é globalizado e Iluminista. Os franceses da Revolução rejubilam, onde quer que estejam, com as nossas falácias puramente “racionais”. Até mesmo a coreografia do assassinato deixou de ser preocupação pública e o romântico assassino é um personagem retrógrado.
Questiona-se a inviolabilidade da vida, mas o conceito dominante que nos foi pregado sobre esta é o de liberdade. Ora, a vida nos condiciona liberdade ou ela é dotada de liberdade?
O mal não tem mais dono, pois a nossa própria existência é precursora do mal. Antigamente acreditava-se em Deus e seus desígnios divinos, atribuindo-lhe o castigo merecido à humanidade, hoje “o mal é autosuficiente”, preservado de microorganismos patogênicos, limpo, asséptico.
A natureza nos massacra. Ela transformou o homem, ao passo que este verteu-se a si, pelas vísceras e vomitando em seguida, que a ciência da natureza e suas leis seriam amplamente dominadas por ele. A tecnologia, tão messianicamente cultuada pelo homem perdeu a voz com a resposta da natureza enquanto terremoto/ maremoto no Japão. Japão, a nação da famigerada tecnologia.

Ecoam-me os resmungos de vovó, o leitor assíduo lembrará daquela senhora ingênua do “Vômito 2010”.

Não quero dar ares apocalípticos a essas linhas, muito menos convertê-las em sermão. Chamo atenção ao nosso papel histórico, pois estamos deixando de ser sujeitos da ação. Se a vida não tem significado, se o mal é humanitariamente, ou politicamente justificado, se as minhas convicções são opulentas e repletas de preconceitos ocidentais então invertemos os papéis. Sou coadjuvante dos “fins que justificam os meios”.
Prefiro acreditar nos monstros do mar, que vara-verdeavam as pernas dos navegantes do século XIV. Prefiro acreditar no mundo fantástico da Fábrica de Chocolates, ou no maravilhoso mundo de Alice, pois ali a minha Literatura (deixem-me ousar dizer isso!) seria compreendida. Ampliar-me-ia nesse mar de criaturas dantescas e nessa terra de coelhos falantes só pelo bel prazer de “injustificar” os fins pelos meios. Assim o mal teria dono, eu.

sexta-feira, 18 de março de 2011

A Galinha e o Ovo

A áurea feminina é um lugar inóspito. De tão transcendente que se faz a sua alma, perpetua no mais abobadado dos interiores masculinos a eterna dúvida sobre o significado de seus olhares, sorrisos, batidas de pé e sacolejar de cabelos.
Caro leitor, se “existem mais coisas entre o céu e a terra do que a nossa vã filosofia pode imaginar”, uma boa parcela delas se restringem às perfeitas anomalias e escancarados enigmas da alma de uma mulher. Não nos cabe entendê-las, reservou-nos o destino (como o ovo à galinha) apenas amá-las.
Você, assim como eu, por vezes, ao andar pelas ruas, já se deparou com casais que, de formas diferentes, se perdiam em ditames, alheios a tudo o que é de mais racional, nas famigeradas D.R.’s (discussão do relacionamento). Ou (o que é ainda pior) você, assim como eu, já passou por uma. Lá vai.
O homem tenta se manter intacto a todos os ataques desferidos pela moça e ela esbanja sem dó o utilizar de todos os seus recursos tipicamente femininos: a ironia, a omissão seguida de um “tá, então tá bom...” (que pode significar ameaça ou flerte – cuidado!), o choro, o rasgar do verbo, a contestação da sua masculinidade e, o pior, o olhar metafísico (em segundos seus olhos são capazes de expressar dor, tristeza, alegria, anseio, desejo, perdão, devaneio e tudo isso junto!), deixando o homem embriagado de indecisão e sem saber o que dizer. Ele tenta argumentar  qualquer coisa no que ela replica “Ah vá, você pode me dar mais que isso!” A vontade dele é treplicar: “A questão não é o quanto eu posso lhe dar, mas sim o que eu quero lhe dar.”  Mas o homem é fraco, na incapacidade que tem de dizer a verdade por inteiro ele cai nas redes lúdicas da mulher e na inquebrantável dúvida que lhe assola a alma, já que é incapaz de traduzir o olhar da moça e saber quais as suas reais intenções. Não quer desmontá-la em lágrimas e nem a deixar totalmente possuída do controle do relacionamento (a questão para o homem é sempre o poder). A mulher o faz se auto-afirmar no seu ilusório controle da situação e todos saem satisfeitos na medida que ela deseja.
A conclusão é que a mulher está para a D.R, da mesma forma que o homem está para a não compreensão da alma feminina, da mesma forma que o ovo está para galinha e da mesma forma que a vírgula está para este texto!

É tudo proporcional, ao passo que você me decifra se eu não te devorar.

terça-feira, 15 de março de 2011

A Morte e a Morte de Muamar Kadafi

           Ter por regra a ignorância das regras. Contemplar a fidelidade das normas ao povo que carrega consigo origens que não podem ser exterminadas e jogadas aos ventos ocidentais, ventos esses que carregaram consigo as “chamas que pulverizaram lembranças daquele que morreu na cruz”.
           
Era o ano de mil novecentos e sessenta e nove. Era mais um desses heróis que marcam na alma do povo o estigma da esperança. A imagem deflagrada do bem comum. A fantasia. A Líbia Monárquica. A Líbia do ouro negro, a Líbia do golpe de Muamar Kadafi.
Certa vez passou mal, entrou no hospital, pediram para aguardar. Aguardou todo o tempo e quando não tinha mais o quê aguardar foi em direção a uma sala-consultório onde se ria. Ria-se muito. Ao adentrar expôs que continuava a passar mal e não agüentava mais esperar no que foi respondido rispidamente que então fosse embora. Desfez-se da túnica e da manta que lhe cobria o rosto e deixou-se revelar. Era o então ditador da Líbia, o desregrado Kadafi: “Quero os nomes, amanhã estarão demitidos e extraditados.”
O maior Império Islâmico que já existiu: Egito, Argélia e Líbia. Era esse o sonho do jovem ditador. Colocar em primeiro plano os ensinamentos do Corão. No seu governo o “Jamahiriya” (Estado das Massas) não existem partidos, são tribos líbias as responsáveis por definir as atitudes estadistas. É como, a alguém que tem fome, oferecer-lhe apenas o cheiro da comida. Na prática a oposição é violentamente reprimida.
O princípio de ditadura nunca será substituído pela ditadura realmente implantada. Filósofos agradecem diariamente ao filho da puta do Voltaire, do Rousseau, do Marx e do cara a quem chamam Platão por lhes fazerem perceber os detalhes do relevo que tem cada lado da moeda. Tem-se de um lado César, do outro pode existir Muamar Kadafi. E é aqui, bem nessa parte que morre o “líder popular” da nossa história, o nosso herói. Morrem com ele muitos outros monarcas, presidentes e ditadores, como morrerá esse texto também.
A mulher a quem amo, por mais amada que seja nunca sentirá a real idéia de amor que tenho por ela. Pois nada substitui o valor que tem o racional mundo das idéias. Os amigos a quem considero família nunca terão de mim a real consideração, pois a minha democracia, a minha ditadura, a minha monarquia, a minha arte, o meu ser inteiro é apenas material, é orgânico e artificial ao mesmo tempo.
            Quando criança o mundo o recebeu de forma glacial. Num lugar onde o sol “dita” as regra. Cresceu vislumbrando olhares caídos, trôpegos dos irmãos que nasceram gretados pelo sol e pelo islamismo. O ditador é aquele que vislumbra olhares e percebe o dom que tem cada palmo de chão da sua amada nação. Constrói o futuro à partir do que já lhe foi vivenciado, mas todo ditador é mitificado pela tragédia que lhe causa o poder, a lança que perfurou o lado do Cristo.
No Mediterrâneo navega agora. Ao redor apenas a fria cor do mar. No céu contempla as estrelas que lhe transferem a tempos onde lhe impuseram novas formas de se viver que feriam todas as marcas originais que banhavam sua alma. Chora por todos os irmãos que não conseguiram enxergar nele a personificação do “bem comum” e que pelo fogo foram mortos. Fogo esse que lhe queima as mãos. Leva essas mesmas mãos ao rosto e grita gemendo, ajoelhado a primeira grande fase do seu “reinado”: “A Líbia necessita de alguém que a faça chorar, não rir.”
Chora e morre Muamar Kadafi, o nosso herói. Transcende para algum lugar, do qual sempre teve certeza que existia, onde moram agora todos os ditadores, presidentes e monarcas que um dia almejaram a felicidade alheia, mas caíram na falsidade moral que é o seu próprio ser.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Cru, Viscoso e Morto

            Morre de um tudo pelo mundo.
A voz do poder coletivo tenta se fazer ecoar no Oriente Médio, enquanto ditadores fantasiados de líderes populares deixam cair a fantasia déspota. No EUA Obama luta contra o bullyng, enquanto outros preconceitos matam mais gente. No Brasil a primeira “vitória” de Dilma acontece no fantástico mundo da Câmara e o dilema do Salário Mínimo (enquanto o crack mata 400 mil famílias). No Afeganistão as pessoas morrem (seja de morte matada, seja de morte morrida), enquanto a Al-Qaeda se mostra, impressionantemente, à quem das expectativas. Na Namíbia se morre de fome, de AIDS, de guerra civil, de tudo. Na Bolívia as pessoas continuam a urinar pelas ruas, na Venezuela também, mas tudo aparenta estar cheirando bem para os estadistas de lá. No Japão acontece o que todos os geólogos já previam: tremores, tsunamis e mais mortes. Morre vozes literárias filosóficas, Moacyr Scliar e Benedito Nunes (mais recentemente e em âmbito nacional).
            Antigamente me surpreendia com esse aspecto fúnebre das coisas, com a revelação da cor que tem essa tal de globalização, pálida, crua, viscosa. Hoje, me moldei à morte, ao fim natural das coisas, sejam essas táteis ou abstratas.
            Mas quem disse que a morte significa sempre o ponto final da vida e o trilhar triunfante do mal? Pode parecer clichê isso, mas o Brás Cubas uniu as duas pontas dessa história (perguntem ao Machado de Assis!).  É preciso morrer para viver (ou para se chegar ao real sentido da vida), eis aí um ensinamento que é cristão, judeu, islâmico, hinduísta...
            O Tempo é inviolável.
            As bactérias “nascem/brotam” se desenvolve, pára, declina arquejante e morre. Os sentimentos dos homens também.
A parafernália do homem-político, do sonho norte-americano, da ética nacionalista, da fantasiosa democracia íntima e coletiva, do valor do outro, da minha autocrítica, do pensar para existir, do bom selvagem, da utopia igualitária, do valor da mercadoria, do amor platônico, do pecado original e seu estigma social, ou seja, de tudo que é conceitual e meramente humano, morrerá.

E você, caro leitor, perdeu o dia lendo essas linhas tortas de um blogueiro kafikaniano, que troca flores por besouros escuros de dura carapaça na primavera, mas que formiga anseios capitalistas nas veias.
E o dia está quente hoje em São Paulo.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Mística do Bigode

            Famigerada guerra dos sexos!
Quantos foram os filósofos, literatos e críticos de plantão que pisaram no verde deste planeta azul pra não terem exaurido seus neurônios na busca interminável de respostas sobre a tênue e, ao mesmo tempo, distanciada relação entre os gêneros da espécie humana? Homem e mulher! Cada um buscando compreender-se no sentido existencial do outro. De fato, esta guerra continua. É contemporânea. Tendenciosa a se estender ao infinito sem que haja compreensão racional de nada. E nem precisa.
            Analisemos hoje o bigode. Sim, o bigode!
            Acessório significativo, histórico, simbólico e patriarcal do gênero macho. O homem, dentro da sua total afirmação, conta com o apoio dos pêlos para inserir-se e ter papel social. Já que não se pode mostrar os cunhões que se aflore o bigode!
            Quadradas conclusões “originais” colocaram o gênero feminino à margem inferior esquerda da posição do homem em termos de importância social, hoje, pobres de nós machos, parece que somos devorados por elas em pratos de porcelana. Mas, graças às forças da natureza, está lá o bigode para nos auxiliar. Sim, o bigode. Bigode é poder. Do quê seria Hitler sem seu bigode? Que arianos acreditariam na sua moral nacionalista sem ter as ventas embasadas em cabelos sutilmente penteados? E Nietzsche? Filosofaria ensandecido sem poder rodar o seu pontiagudo e florestal bigode?  E o do Sarney, que parece pêlos de cachorro vira-lata mestiço? E Marx, Chaplin, Freud, Einstein, e muitos outros machos intelectuais da história, teriam influenciado tanto os rumos das ciências sem terem seus bigodes para acariciar e, assim, fazer arejar suas geniais massas encefálicas?
            Fora a mística da virilidade presente no bigode. Parece que o homem torna-se mais homem, torna-se selvagem, torna-se leão e juba, tubarão e barbatana dorsal, gorila e “soco-no-peito”, torna-se macho! Claro que o leitor vai querer me questionar e derrubar essa tese pífia dizendo: “Ah, e o Fred Mercury?” Mas, nada é infalível. No entanto, temos que concordar que a virilidade exalada pelo bigode é de tal forma transcendental, que fez quebrar o tabu e mitificou o rock star homossexual.
           
Mas, estava eu a viajar nos pensamentos acima quando me deparei com um texto sobre Amor e Sexo de Arnaldo Jabor, onde ele diz o seguinte sobre “mulheres que barbeiam as partes”:

Acho lindo, mas não consigo deixar de ver ali nas partes dessas moças um bigodinho sexy... não consigo evitar... Penso no bigodinho do Hitler, do Sarney... Lembram um sarneyzinho vertical nas modelos nuas... Por isso, acho que vou escrever ainda sobre sexo...”

Achei melhor urinar a tese da virilidade do bigode e deixá-lo lá... imparcial, sem função fisiológica.

sábado, 5 de março de 2011

Vômito 2010

Caro leitor, eis-lhes um gorfo! 2010 foi mais ou menos assim para o emissor do "Cru e Viscoso": 


Alguém aí sabe me dizer o que foi que eu fiz? Sei lá! Algum ato cometido na linha da realidade que se entrecruzou com a linha do mundo fantástico, mitológico ou sobrenatural? Atirei pedra na cruz, quebrei o chifre do unicórnio, abri a caixa de Pandora, olhei nos olhos da Medusa, pus fogo em Roma, entrei sem tirar o tênis no templo sagrado de Buda, chutei vela de sete dias, pisei na grama do jardim da casa do Curupira ou fumei no cachimbo do Saci?
Pois olha, caríssimo amigo que, sem ter o que fazer, passa com os olhos por essas linhas mal escritas, as coisas não estão caminhando pra frente com o autor deste texto.
Lembro-me dos velhos resmungos de vovó, que já naqueles idos tempos eram velhos, rogando já o infindo descanso como remédio das dores, das decepções, das dívidas (que ela nem pagava e nem ao menos sabia que existia), dos filhos ingratos e do Corinthians, palavra esta que ela nunca soube pronunciar, dizia com dificuldades “Curinga”!  Pois é, ouvia vovó reclamar de tudo isso num som uníssono como se falasse uma palavra apenas e, meio que sem entender entendendo, me perguntava por que as pessoas velhas reclamam tanto? Será que não aprenderam nada em todos esses anos? E cá estou eu, mal aberta a segunda década da minha existência, reclamando! Ainda muito falta pra chegar na idade que minha avó tinha. Mas a fantasia do acaso carregado de negativismo já tomou conta da minha alma e sinto que a medida que o tempo passa me torno mais ranzinza.
Como é possível acontecer tantas coisas ruins com um só indivíduo em menos de duas semanas, ou como saldar algum lucro no fim de um ano como este? Se tem uma coisa pela qual sou apaixonado, essa é o futebol! Corinthiano de sangue preto e branco! Comecei o ano otimista e terminei sem ter nada no ano do Centenário do meu Timão. Muitos de vocês dirão “deixa isso pra lá, futebol não leva a nada”, mas algo que faz pulsar o coração leva a muita coisa. E o pior é ver o fim do Campeonato, regado a muito uísque, acabar de forma pífia. Da eminência de ser campeão passa para a “honrosa” terceira colocação!
No campo profissional sua vida é aquela rotina de máquina, que te faz enrugar com “aparência de felicidade”! Aquele ônibus lotado, aquelas poucas notas animalescas contrastando com as muitas notas fiscais que surgem ao fim de cada mês.
           No amor aprendi que o relacionamento mais douradamente duradouro que possa ser que exista é o seu por você mesmo, ou no máximo o seu pelo da sua mãe. Ainda assim permaneci sentado no divã, durante alguns meses. Sub-julgado pelas teorias psicoterapêuticas da pessoa amada que me fizeram perder a cor da alma, ir de encontro ao passional de mim mesmo, que fizeram converter-me naquilo que amo (como já disse o poeta tão desafortunado quanto eu) e ficar admitido na satisfação do outro. E logo assim me deixei aprisionar na armadilha daquilo que tinha como trunfo, como carta guardada na manga. Logo eu que sou fã e adepto dos modelos mais antigos de romantismo, adepto das flores e do chocolate, das faixas declarativas e das poesias acompanhadas de violão embaixo da janela. Doce engano. Os livros já me tinham dito. A vida também já havia me ensinado uma vez. Mas o que será que eu fiz, atirei pedra na cruz...? A análise psicológica dos seus gestos, das suas leituras, das suas palavras, das suas atitudes deve ser apenas sua, se outro o fizer (o novo homem ou a nova mulher, blah!) você perde a identidade, perde o humor, perde a paixão e perde sem perceber achando que está tudo bem, viu Jabor!? Também temos instinto e individualidades! Só sei que depois deste ano vou preferir ouvir as antigas entrevistas do Biro-Biro ao ler estas novas poesias de “liberdade caia com as asas sobre mim que sou novo homem ou nova mulher”, foi assim que o Nietzsche ficou “louco”. E tudo isso deve ser lido assim mesmo! Uníssono! Como os antigos resmungos de vovó!


quinta-feira, 3 de março de 2011

Pouco Lido em Obras Fúteis

Olá! Como este é o meu primeiro post no Blog, quero fazê-los conhecer-me.
Lembro a todos que a Literatura é o meu fígado, rins e pulmão, a imaginação é minha bexiga e coração! Portanto tudo que cuspo e urino e "doidera" total. Conheçam-me e voltem sempre. Lá vai!

Era o ano de mil novecentos e oitenta e nove. Vivia-se em constante expectativa. No Brasil, a democracia primogênita era motivo de orgulho da nação. Na Alemanha, caía com um muro a guerra velada, escondida, obscura. Disseminavam-se, sem medo, as ideias. Entrelaçavam-se as nações e o processo de globalização se intensificou ainda mais. O Afeganistão venceu a guerra, o Raul Seixas morreu, o Luís Gonzaga morreu, o Vasco da Gama foi campeão brasileiro, a Seleção venceu a Argentina na final da Copa América e a família Silva ficou maior. Nascia o autor dessas grosseiras linhas.
Os leitores mais cépticos enjoarão logo, aos mais afáveis acometerá um pesado sono. Mas lá vai, peço desde já a misericórdia de todos e principalmente de ti, professor.
Eu nasci sem muitas novidades. Dispensarei as exageradas dramaticidades do parto, pois ele foi complicado e complicações não são atrativas e não pertencem mais ao contemporâneo. Caso alguém queira saber, minha mãe está sempre disposta a contar detalhadamente a história do cordão umbilical me enforcando em seu ventre.
Eu cresci no bairro do Tucuruvi, na zona norte da cidade de São Paulo, “sentindo o puro ar da Cantareira”, como diz a canção. Filho de pais operários de sobrenome Silva, minha vida na infância transcorreu-se dentro dos padrões mais comuns do regime que derrubou o muro de Berlin lá no ano em que nasci. Futebol descalço na rua, esconde-esconde, queimada, polícia e ladrão, pião, pipas, bonecos do Jaspion e dos Pawer Rangers, carrinhos Ferrari e Lamborghini e muitos outros brinquedos e brincadeiras fizeram parte do meu mundo de criança.
Ocorreu-me aos cinco anos uma grave inflamação na garganta e foi então que passei pela minha primeira e única cirurgia. Tal enfermidade causou-me consideráveis mudanças na personalidade, pois no meu período de tratamento pré e pós-cirúrgico não podia me deliciar com um copo estupidamente gelado de Coca Cola, ou com um sorvete e, muito menos jogar bola descalço na rua. Sentia que todos apontavam pra mim e diziam “vejam aquele garoto que não pode fazer nada que seja legal”. Foi nessa época expressionista da minha infância que eu ganhei de meu pai um presente que mudou a minha vida, um livro. “A volta ao mundo em Oitenta Dias” do Júlio Verne, e é claro que eu, aos cinco, entendi pouca coisa da aventura, mas era legal ficar dizendo em voz alta as palavras das quais nunca tinha ouvido.
A pré-adolescência foi marcada, como no geral acontece, pelo surgimento das espinhas e a voluntariosa descoberta do poder do corpo. Foi quando percebi que o status de “mulher da minha vida” não estava restrito apenas à minha mãe, poderia sim, claro e transparente, dizer a qualquer menina “você é a mulher da minha vida”, em qualquer hora e a qualquer lugar.
Ler, ver e falar sobre futebol sempre foi uma paixão. Corinthiano de coração e alma preto e branco. Lembro-me como se fosse ontem cada detalhe da minha primeira visita ao Pacaembu para ver o Corinthians de Marcelinho Carioca jogar.
O período escolar é sempre o mais inesquecível, creio eu. Passa-se uma vida lá. Vê-se e ouve-se de tudo na escola. E comigo não foi diferente. Aprendi muita coisa que não deveria aprender e pouca do que realmente deveria, mas por mais metódico que fosse não conseguiria fazer diferente, afinal é “na escola que se aprende a viver”, dizia meu pai.
Foram-se os anos escolares, restava apenas o último ano do Ensino Médio e a dúvida fatal que me atormentava era qual carreira seguir. Afinal, não via em mim afinidade para nada. Tentei Matemática e desisti em poucos meses, Engenharia Ambiental também não me causou entusiasmos e fora outros cursos que quando não me agradavam simplesmente pegava as coisas e tomava o rumo do Tucuruvi.
Decidi pela área da comunicação. Sempre gostei de ler, escrever, passar muitas horas na internet... Quem sabe não valha à pena? No fim da minha vida acabarei sendo como um dos personagens do velho Machado de Assis mesmo, retrógrado. Todos seremos. Mas sendo do tipo “pouco lido em obras fúteis”, talvez um dia eu dê a minha própria volta ao mundo em oitenta dias e consiga escrever um livro, ou venda letras de samba pra viver. Quem sabe? O certo é que muitos muros de Berlin precisam ser derrubados!