quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Carta ao príncipe

À Vossa Magnificência, o Príncipe (qualquer um dos engravatados)


            Venho por meio desta, de forma mui respeitosa, ofertar-vos meus tão humildes conhecimentos à cerca dos meandros que são necessários percorrerem para o êxito nas conduções políticas, para a manutenção da ética e moral religiosa como mantenedoras da sociedade, para perpetuação da harmonia social e de vossa honradíssima posição.
            Os dias que passaram não foram fáceis, os dias presentes são de observância dos que foram e reflexão para os vindouros, e estes são o foco, o objetivo harmonioso de nossa reconstrução política.
            Não é a intenção deste singelo, e ousado, plebeu ministrar-lhe as decisões, direcionar-lhe os passos ou conduzir-lhe a administração do povo, o qual tão carinhosamente tratais por “turba imprestável”. Muito pelo contrário, não quero fazer do cavalo tílburi e do tílburi, cavalo. Quero apenas prestar-vos um serviço, não que necessariamente vós o necessitais, mas tenho na minha frutuosa caminhada experiências assaz condizentes com as nossas mais urgentes necessidades. Conhecimento não tem o mesmo destino, fisiologicamente falando, que os refinados vinhos ou os apetitosos galetos ao molho que vossa majestade ingere.  Ao contrário, são úteis, quando usados para o bem, ou à nação.
            Creio eu, usando da mais pura e incomparável lógica, que vossa magnificência tem total ciência do vazamento dos recentes escândalos envolvendo familiares seus e outros nobres próximos, homens de pura confiança e importantes para o vosso principado. Escândalos da casa dos mais puros impropérios e imoralidades. Quero ajudar-vos! Por isso dedico-vos meus préstimos, que aqui estão compilados em palavras objetivas e de fácil compreensão.
            Conduzir o povo requer trejeitos artísticos e familiaridade com arte de improvisar e persuadir, afinal de que vale ao mar os náufragos senão a certeza de sua imensidão, ou de que vale ao tecido real as mãos calejadas que a cosem?

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Eu não consigo parar de te olhar

Justo quando todas as formas humanas me pareciam ter saído em série de alguma fábrica ou montadora;
Umas poucas almas, de espírito livre e coração inteiramente mole me compraziam nos livros;
Lembranças de um passado que, na qualidade de passado, fazia-se presente na cabeça e no coração a machucá-los;
Imagens da desilusão eram uma constante, como se tudo que estivesse reservado  pra mim fosse apenas dor;
As árvores eram sempre fúnebres e de folhas que, independente da estação, tinham só um aspecto outonal;
Nas cinzas que eram a minha vida nasceu o lírio que é a sua presença, daqueles que rei algum, nem Salomão, se vestem igual;
Assim fácil, de uma letalidade amoral, você conseguiu me fazer ver tudo diferente;

Começou como se passado fosse, como se tivéssemos compartilhado uma vida inteira;
Raramente me vi assim, tão bobamente feliz;
Amanheço todos os dias iluminado por uma voz angelical que me tira do cárcere do quarto de qualquer dúvida que o ciúme possa fazer surgir;
Vivo cada segundo na expectativa de viver as poucas horas, que se tornam minutos, do seu lado;
Ontem era menino, hoje sou homem feito e formado na escola mais pura do sentimento mais nobre, porque tenha ao lado você... Juliana Cravo!

sábado, 23 de julho de 2011

Propriedades dele e dela - Parte II (Dispersão)

Como uma foto três por quatro, sério, mudo e de ouvidos sensíveis, atentos ao menor dos barulhos.
Como um mero lembrete de geladeira, imparcial e alheio ao teor da mensagem; o lembrete é apenas ele mesmo, sem a carregada responsabilidade do significado. Como um copo vazio, que cheio foi e vazio também, que recebeu líquidos dos mais diversos e que com a mesma lânguida cadência, ou não, se despediu dos mesmos.

Com afabilidade de serpente.
Com a indispensabilidade e repugnância da moeda.
Com a gargalhada do teclado em direção aos pensamentos e aos nervos do escritor.
Com o trepidar do telefone.
Com a eficiência da palavra (nesse caso em específico, não).
Com a doutrina da fé e a roupagem sacerdotal.

A raposa, o veado, e o grito de toda fauna nas ruas cinzas de concreto impregnando cinturas, ombros e colos...

 A ociosidade que putrefaz o pensamento, consolida a discórdia, evolui a cognição e ratifica a ignorância...

Pensamentos esparsos, que de tão dispersos gaseificam o sentido e solidificam a confusão.

Tais coisas acima escritas podem vir um dia a se transformar em bloco, pedregulho ou filosofias sem crédito. Foram escritas num bloquinho de viajante, de andarilho ou nômade urbano, que na ociosidade, esta fruta da desventura ácida de suas próprias experiências, o assédio da mais pura reflexão lhe é quase que insuportável e agonizante. Pensar é a única vicissitude que lhe resta.
Costuma-se dizer, nas mais inspiradas rodas de artistas das letras, que as personagens dos livros ganham força quando tendem a pedir as coisas, quando ela, de dentro do seu mundo paralelo, começa a questionar a essência que torna a raça humana assim tão singular: a intriga dos sentimentos no nosso interior.
E é com a ajuda do nosso morador de rua (o leitor mais assíduo o lembrará com facilidade) que permaneço nas propriedades, possam-se dizer orgânicas, dele e dela. Orgânicas? Bom, massificar o abstrato é próprio de escritores jovens, que na sua masturbação pueril nesse lúdico mister que é escrever tendem a achar tudo uma mera confluência de traços invisíveis, dispersos no ar e no interior das pessoas. Não é minha intenção nadar contra a corrente, sem nenhum trabalho publicado, seja por editoras, seja por novas tecnologias móveis, continuarei a caminhar como ovelha junto desse rebanho de indivíduos em busca de uma identidade.
Vínhamos falando da mulher e de sua natural tendência ao “não-amor”, visto que ela é a própria significação desse ser materializado e invisível ao mesmo tempo, que poetas, filósofos, matemáticos, psiquiatras e psicólogos tentam mais não conseguem definir. Temos no sexo o ápice do significado de prazer, uma confluência de líquidos que exprimem a essência dos gêneros, a sofisma do empirismo leviano, maledicente. Tudo isso é o sexo, mas e o amor, e a expressão “fazer amor”? De onde veio e aonde vai?
O nosso morador de rua se compraz nas artes visuais. Pra ele o mundo é extremamente alusivo, como uma pintura, cada um tem uma função nesse sistema que premia não as aptidões, mas a sensibilidade e o oportunismo. E fora desse mundo de valores invertidos, poderá melhor que este autor de ainda cabelos louros no queixo, o nosso intrépido nômade explicar melhor de que é feito o homem e a mulher, quais as origens das falaciosas intrigas entre os dois, quais as suas reais diferenças, semelhanças e funções. Este é um texto de muitos canais com o objetivo claro de fazer elucidar as coisas. Mas temos que nos acostumar a nem sempre termos os objetivos alcançados. Mas tudo que se inicia na dispersão tende a terminar no vazio.
Está claro para o morador de rua que a mulher é um ser muito mais completo, mais plugado, mais sintonizado, mais à frente. O homem é todo nervos, é todo sensível, é todo necessitado de estímulos. A mulher planeja, desdenha, acarinha. O homem vive, grita, esperneia. A mulher consegue ser reservadamente espontânea, calidamente apaixonada. O homem exala a sua masculinidade no palco e sabe que o espetáculo tem hora pra começar e acabar. Enquanto que a mulher dirige o espetáculo...
Continua!

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Propriedades dele e dela - Parte I

          Passaram-se décadas desde o seu epílogo de amor. Vivera todos esses anos no enclaustro da dúvida, da angústia. Aquela paixão arrebatadora, aquele infindo mar de prazeres inequívocos, certos e parelhos. Toda aquela sensação de companhia certa, almas originárias de apenas uma aura. Mas teve fim, um fim precoce. De uma explosão divina de felicidade para um marasmo de resignação.

            Ele, na condição de irrefletido do cotidiano, passou a murmurar sonhos dos quais ela era a pedra fundamental. Essa pedra fundamental era um misto de ingenuidade angelical, sinfonia de harpas, confluência de líquidos prazerosos, odores inebriantes com alma maledicente, intencionalidades falaciosas e periculosidades pré-menstruais. Como espelhos, um recôncavo e outro convexo, parelhos... a mirarem-se numa mútua peleja de expressões divinas e diabólicas.

            Seus sonhos murmurados eram nada mais que necessidade fisiológica. As funções no organismo regidas pelos sentimentos agora lhe borbulhavam todo o corpo, nessa metafísica desvairada que todo homem precisa ter para AMAR. Ela, na condição de mulher, já nasceu preparada, permanece mergulhada no canal que liga a resignação com a expectativa, o desinteresse com a perplexidade, a intelectualidade com a dualidade da emoção.

            Ela é argumentativa, crítica, moral, espirituosa, externa todos os seus pontos de vista e lhe injeta doses cruas de realidade. Ele necessita se inteirar de sentimentos, necessita percorrer todos os meandros da dor que é AMAR e se sentir amado, precisa ser uma coluna espessa de imaterialidades, ela é a lacuna dessa irreal coluna, uma lacuna que será preenchida por uma ideia sensível e tangível.

            Mas o amor é um só, e ele é inteiramente maleável, é uma massa redonda onde uma grande quantidade de matéria pode se desligar do núcleo e se vincular a outros corpos, o amor divisível é próprio do homem, próprio de sua natureza. E para os nossos dois personagens, ele e ela, a intelectualidade amorosa dela fê-lo se tornar perito no especular da intuição, na afetividade oriunda dos sentidos. O homem ouve, cheira, come e ama.

Continua...

terça-feira, 24 de maio de 2011

A Vida Pública - "transformo pedra bruta em pedra polida"

Já que o poeta é um eterno copista, lá vai...

            O prestígio enobrece, mas a nobreza, dessas que perambulam pelos sonhos mais cotidianos da média, não é o que busco, não me fascina nem me orienta. Refresco-me na sensação inebriante do anonimato, do doce ardor que tem o sexual prazer de fitar olhos que fogem de mim e que, por impulso ou reflexo, se perdem mirando apenas o chão. Busco o irrefutável, tenho como repertório apenas respostas atravessadas e na minha versatilidade o dom de ser calidamente escancarado, como as negras e tênues manchas da lua.

            Nasci, pura e simplesmente, para ser o herói às avessas, terminantemente necessário para o progresso nacional. Corrompido fui, sim, muito corrompido e daí herdei a responsabilidade de corromper, é um círculo não vicioso, vital. Abanei o cenho franzido da seriedade coesa que nos impõem a retidão de ser um cidadão ferrenho, total, daqueles que figuram como o exemplo da máxima do “ordem e progresso” e se rejubilam no seio familiar, ostentando uma vida crua onde o prazer está no pagamento em dia dos meus impostos. Isso é vida de pacóvio, quero antes a obscuridade de um bordel, a adrenalina do “crime judicial”, pois a verdade será sempre o meu sobrenome.

É claro que laranja melhor que uma família bem estruturada não existe, por isso a tenho e a trato com zelo, rego-lhe com viagens à Paris, Madrid, Miami, escolas de ponta, roupas, shows e futilidades joviais que no meu vasto compêndio de notas, as mais variadas possíveis, dessas que circulam livremente por ilhas de também variados nomes são apenas fagulhas do meu fogo eterno.

            Meu ideário é amplamente difundido sem nem ao menos ter que pagar por isso. De escândalo em escândalo as invencionices sensacionalistas e comercias me fazem ressurgir como fênix, faço então recomeçar minha trilha de fogo: notas frias, falsos fundos, licitações, um carinho nas mãos quentes do judiciário, empréstimos a empresas laranjas... eis meu doce cotidiano.

            Alcoviteiros da mídia impressa me chamam de malandro, põem a culpa na identidade nacional, na nossa origem putrefata, nos navios negreiros, na Coroa, na República que acorreu aos braços da nação parecendo um conto da Comédia da Vida Privada, na mão de ferro do Getúlio, no futurismo econômico e cômico de JK, nos militares do milagre, no topete do Collor, no entanto (e em tudo isso gargalhadas foram soltas como porcos  à lavagem) a origem disso é a própria informação. Essa mesma que te faz odiar a minha classe, que te faz escarrar todas as vezes que senhores engravatados utilizam sofismas emblemáticos na TV para aumentar-lhes o salário.

            Regozijo-me no seu ranger de dentes! Nunca passou nem passará disso, dentes à mostra, hostilidade não irá me exterminar, portanto pare!

           Ah, e também não me vá aparecer aqui com nariz de palhaço, numa tentativa de escárnio. Ria de todos nós antes que o riso primeiro parta de cá, não lhe resta muita coisa. Pois o meu cenho não é franzido, a minha retidão não tem nada de linear. A minha vida pública tem como máxima o “ordem e progresso” tão questionado, mas a minha caneta tem poder, eis-lhes o progresso, a minha caneta dourada, com detalhes escarlates em relevo.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ensaio sobre a Veracidade

            Vazio de si caminhava. Como se, em contraposição à corrente filosófica que martiriza aquilo que é do todo e entroniza aquilo que é inacessível, permanecesse inerte em meio a um turbilhão de transeuntes da calçada vindos de lá e de cá.
            Era como o início de tudo, o vácuo em pessoa, como se necessitasse de algo ou alguém, sobrenatural ou não, que, de astúcia de ourives, lhe detalhasse as formas, fabricasse-lhe os traços, e lhe preenchesse de conteúdos e, mesmo sendo estes vãos e piegas, lhe dotasse, ao menos de sociabilidade.
            Caminhar era como uma fuga desenfreada, mesmo sendo um trocar de pernas sereno, minguado, quase sem vida. Este homem, ou mulher, ou qualquer coisa de inabitado que seja, pois a forma lhe falta, que vai a andar não o faz em linear caminho, entorta resignado em meandros, vielas e buracos como se as sombras da caverna buscasse. Pudesse ser que lá encontraria Platão e este com seus largos ombros e suas brancas barbas lhe infundisse a tal da ideia, que de tão imaterial que é apresenta-se perfeita. Talvez travasse um duelo maiêutico com o mesmo utilizando-se da famosa ironia socrática, mas o nosso herói é seco, sem substância, sem forma e, sendo assim afigurado, Platão lhe mostraria os dentes em gargalhada e lhe injuriaria, Como podes travar de duelo maiêutico com o discípulo amado do pai da maiêutica, e assim provaria do veneno mortífero dos falsos saberes.
            Ora, todo homem é bom, todo homem constrói a si mesmo, mas não sendo a matéria o que lhe falte e sim a essência, o nosso ser inabitado continua a andar circundado por uma “treva branca” capaz apenas de lhe fazer sentir. Talvez seja por conta do jejum das imagens, tendo em vista ser fato que elas muita falta nos fazem, talvez fosse pela falta de Deus que distante se mostrou, inacessível, dono do poder supremo e do castigo eterno de todos. Ora, talvez fosse pela metamorfose, sim, transformou-se em caixeiro-viajante de grotesco aspecto quando na realidade era besouro de ínfima massa encefálica, preocupava-se única e exclusivamente em alimentar-se e defender-se dos predadores, era todo instinto e, sendo assim, todo essência. A nós, que aqui distantes acompanhamos os passos de tal ser, de pouco resultado rejubilaríamos ao elencar hipóteses para a afiguração do nosso herói, seria antes de maior efetividade lhe darmos nós a forma a que tanto busca, despejar-lhe a essência pelas narinas, pois essa é a nossa esperança, a de que no fim destas linhas, tão grotescas quanto o caminhante, a forma convença-se de si mesma, sendo o conteúdo a própria forma.


            Inacabado ficará o texto, inacabado ficará o herói, pois aqui já ricos estamos de verossimilhança, de ideias. O que nos falta é a materialização do próprio ser, a verdade embutida na atitude.

Os Estados Unidos exibiram as imagens de Dominique Strauss-Khan algemado. O diretor do FMI, por enquanto, não foi julgado e muito menos condenado. É apenas suspeito de ter atacado sexualmente uma camareira em um hotel da região do Times Square.
(Fone: estadao.com.br – 18/05/2011)

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Mãe não tem limite

Este texto foi escrito há três anos, quando ainda as atividades deste blogueiro e suas perspectivas eram inteiramente distintas das de hoje! Mas, por gostar muito dele e vir a calhar, compartilho-vos!

“Mãe não tem limite, é tempo sem hora!”, dizia o poeta. Muitos deles já tentaram no mais alto de suas grandiosas inspirações, definir esse sentimento irracional que é o amor. Os filósofos calejaram o cérebro e os matemáticos tentaram expressar em equações o quanto uma mãe ama seu filho. Todos sem sucesso. O que torna mais difícil escrever uma mensagem especial nesse dia dedicado a elas. Já que “mãe é luz que não se apaga, mesmo quando a chuva aperta e o mundo desaba”, tentarei neste texto conter as frases feitas, do tipo “ser mãe é padecer no paraíso”. Mas afinal, porque as mães padecem tanto? Será por conta dos filhos? Em tempos de aquecimento global e desastres ecológicos, perguntar isso a mãe natureza não seria lá boa coisa. O fato é que não existe mãe que não se derreta toda quando o filho sussurra em seu ouvido um “eu te amo” acompanhado de um afago na nuca, até mesmo as meias espalhadas no chão da sala, o quarto que não foi arrumado, o agasalho que você deixou de vestir, o bolo da titia que você elogiou na presença dela (nunca faça isso, erro fatal!) tudo isso é esquecido e perdoado. Afinal, não existe mãe sem existir o filho. Nesta relação toda dor é suportada, toda briga é comprada, todo frio é amenizado pelo calor do coração, coração de mãe. Que bom é ser fotografado pela retina dos olhos orgulhosos da mãe, mesmo porque pra ela não existe pessoa mais bonita e inteligente que você.
Sei lá! Talvez os poetas, os filósofos e os matemáticos conseguiriam melhores resultados se “mães” fossem. Ou se se imaginassem nos olhos da Virgem Maria ao ver seu filho, até então desaparecido, ensinando no templo e às multidões como amar e depois se imaginassem naqueles mesmos olhos, agora mergulhados em lágrimas ao ver aquele mesmo menino, homem então, sendo cuspido, humilhado e crucificado.
A todos esses seres que amam e falam a língua dos homens e dos anjos, que são mães mesmo sendo pais e que são mães mesmo sem nunca ter gestado, toda a estima e felicidade dos filhos que por mais que digam e escrevam nunca conseguirão pagar por tanto amor, afinal as mães não morrem, elas permanecem impregnadas no coração do filho.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Morador de Rua

“Todos os erros humanos são impaciência, uma interrupção prematura de um trabalho metódico.” (Franz Kafka).
Como que por milagre, se é que esses existem, já que as artimanhas da natureza calam constantemente a prepotência e apriorismos humanos, me vi enxuto numa confusão mística de desapegos emocionais. Travestido de Willian Shakespeare, magnetizado no Gonçalves Dias vivi a ilusão viral do estereótipo, do convencional, do sancionado.
Aqui, perdido por essas calçadas repletas de nódoas que falam, contam histórias inteiras de vidas, marcam encontros e desencontros e são as mimeses da minha vida futura que será mais real que falsa, me transformo na coisa. Uma coisa sem nome, sem classificações, sem efeitos, sem causar preocupações ou predisposições nos empresários, médicos, advogados e filantrópicos. Já que a filantropia também é uma criação humana e a sendo, assim como tantas outras, acabou por fazer parte da sua natureza, parte de um egoísmo que a cada minuto desta minha existência fétida ganha outros sinônimos.
Deitado nesse chão duro, deixando as costas aduncas, reflito sinistramente no mal que deixei de viver aí do outro lado. Aqui sou invisível. Estou entre a linha do bem e do mal, sou neutro. Vejo-os passar todos os dias. Uns apressados, outros não. Uns distraídos, viajando em pensamentos dos quais eu já não posso ter, outros atentos aos movimentos marrons, cinzas e pretos que nos caracterizam. Os que ainda, por um fúlgido momento e sabe-se lá por qual entidade sobrenatural conseguem nos encarar ali deitados, ou de pé, ou só, ou em companhia transmitem toda a benevolência de suas incapacidades. Vocês diante de mim são incapazes. Mesmo sendo parte da rua, sendo parte da noite, do dia, do viaduto me vejo cada vez mais original, cada vez menos escravo de tudo isso que me cerca; fruto, mas não escravo.
Sinto fome e sede. Já não me cabe o direito de justiça, de vingança. No abandono eu me torno pleno, me camuflo nessa solidão alienante, nesse ultrajar do salubre. Os direitos fugiram, mas levaram consigo os deveres. Esse é o medo, a ojeriza que me distancia de vocês.
Sob meu olhar, agora sem vibrações me passam vidas pequenas, crianças crispadas pelo desleixo, pela sujeira, pela miséria. Vidas das quais se pode aprender muito. Compactuo com histórias reais, com lágrimas reais, com dores reais. Vozes lacrimosas ecoam no meu interior.  Nas ruas, por menor que seja o alimento conquistado por um, são muitos os que usufruem.
Existem os nômades, aqueles que carregam o legado da solidão e são felizes a vivenciando. Mas que carregam junto espírito nobre.
Por motivos que se tornaram alheios ao sistema fui designado a ser mais um, mais um desses milhares que tornam mais brilhantes os seus colares e relógios. A minha existência é a sua opulência. Bem assim, sirva-me de tapete e eu lhe empresto as migalhas do meu veneno.
A minha história é desprovida de importância, mas carrega muito peso em significado. Dentre todos o que mais dói é a pequenez da alma. O meu dote é caro demais, minhas mãos tortuosas são pétalas negras, das quais a noite faz emanar odor inebriante que carrega a sua consciência.
Volto agora para o quadro infame da minha, mas não mais que sua sarjeta.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O Astronauta

Quod scripsi, scripsi.
           
Tanto que vivi não parece ser o suficiente, nem me vejo travado, muito menos perto do fim. Medieval eu fui, consegui usufruir de todo o princípio; o princípio do ópio de Marx. Mergulhei nos astros por interesses alheios aos meus e vivo com o crânio fincado no prego do patíbulo sistêmico, rubro, azul e sem cor nenhuma. O amor que eu sinto não é o meu, porque se meu fosse seria, sim, o impossível, o incapaz de existir. As minhas ideias não são minhas, são suas e deles. No Gólgota sob o olhar gretante do sol vários foram os que no mesmo madeiro cru e crispado morreram, mas o cobertor dos meus neurônios dedica a apenas um deles a lembrança, não é mesmo Marcos, Lucas, Mateus e João? Não é mesmo Saramago? Vociferaram muitos contra o oculto da felicidade e do amor. É aquilo que existe de concórdia na discórdia, do que se deve fazer de mal para conseguir o bem.
De todos os ideais apenas um não sucumbiu, ou você tem um? Se tiver, por favor, me ensine. As estrelas com as quais sonho são a cada ano-luz que alcanço mais inatingíveis. Não me perco no caminho, pois ele já deixou de existir. Eis o meu tratado. Sobre a Terra eu li. Sobre os homens que lá viveram vomitei. O vácuo parece ter mais consistência teológica do que as arquiteturas góticas que ocultam tanto sangue, ou vinho.  Os buracos negros são tão utópicos quanto os muros de Berlim, ou as muralhas da China, ou as faixas de Gaza, ou os turbantes das cabeças, ou as coroas de espinhos das cabeças.
Sob a inexistência do sol e sua luz tingida de violeta na prata da minha vestimenta me coube sentir o frio. Sob a inexistência do frio e o arrepio que me levantam os pelos senti o próprio vácuo. Aí na Terra lhes existem os astros e mesmo assim todos os sentidos lhes são roubados. Não é de número que vivo, divago na letra, em cada sílaba; divago no memorial da “minha” paixão.
No divã da esperança me torturo, contrariado. Reneguei a informação, traí a pátria e festejei com Alexandre, o Grande.
Se algo me faz corar pela saudade? Não muito. A terra vertiginosamente vermelha que, gretada, faz levantar da mansão dos mortos toda a natureza que em sua totalidade exuberante cobre a fragilidade humana de inescrupuloso cinza. Tudo é paisagem na terra, é tão infinito quanto o marasmo do universo que é incapaz de findar. Dos outros Alexandres da História a terra riu e continua; convergente do riso fácil.
Meu celibato é fruto do vermífugo da comunicação alienante que vos rege agora. Ser autêntico é crime; fuja do preconceito e sofrerá com ele. Antes cru e viscoso que estereótipo de Realengo ou Columbine. Antes verme dos textos do Velho Machado que Leão de Cannes. Antes morto pra Terra que para as minhas vísceras.
A minha saga continua andando na linha do Tempo e nem o Apocalipse pode apagar o meu eterno futuro.

GENEBRA - O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) debaterá na sexta-feira, 29, a situação dos direitos humanos na Síria, onde a repressão às manifestações pacíficas contra o regime do presidente Bashar Assad já deixou centenas de mortos e feridos.  (Fonte: estadão.com.br – 27/04/2011)

Sem, ao menos, chegar ao topo quero ir a Marte.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Dedicado a um amigo

Nesses últimos dias aconteceu-me uma descoberta. Uma descoberta que foge ao significado comum, apesar de que o comum é algo do qual se descobre também. Bem, não quero ser demagogo e muito menos o querem estas singelas linhas, a autenticidade é a alma do negócio por aqui. Pronto! Está aí! Autenticidade e descoberta, as linhas de ouro da Medusa vão correlacionando as coisas na vida; e é assim também com os textos.

A descoberta tem nome, não precisarei citá-lo, pois o amigo a quem dedico o riscar dessa minha pena codificada nesse papel branco saberá que é ele o feliz ou infeliz.

Tal personalidade é na maioria das vezes o motivo do riso “autêntico” nas rodas boêmias do fim de semana. Motivado sabe-se lá porquê, o tal simplesmente não pára, é uma metralhadora de filosofias cômicas, de trejeitos jocosos, hábitos excêntricos (exagerados mesmo) e de uma face... quadrada, quase que pontiaguda.

As mulheres o amam; e o odeiam. Ao se preparar para mais uma noite de caça, na frente do espelho, ao reparar os detalhes do seu minúsculo topete no topo da testa retangular ele mira-se, olha-se com objetividade e diz a si mesmo “pais, segurem as suas filhas”.

Dono de uma capacidade de raciocínio fora do comum, o tal simplesmente surpreende os que o julgam em primeira instância. Todas as suas fétidas piadas partem do improvisar que o corriqueiro de uma roda de amigos proporciona, filosofa num palito de fósforo, às vezes é compreendido, às vezes não; mas o riso é sempre certo.

As naturezas são intensamente distintas, mas percebi com o tempo algumas semelhanças. A forma de expressão que nos difere.

Conheci-o na escola, mas o descobri agora. Amigo incomparável. Os poucos que tenho (ainda posso contar nos dedos de uma mão) agora têm a companhia de ti.

É curto este texto, mesmo. São curtos os códigos, às vezes não chegam a ter 128 barras. É só pra dizer que te estimo, sem clichês do tipo “conte comigo pra tudo”, ou “você mora aqui no meu coração”, pois a hipocrisia não lhe foi apresentada ainda, não é mesmo? A autenticidade é a alma do seu negócio.

E... “se eu quisé pulá eu paulo, meu véi!”

quarta-feira, 30 de março de 2011

Uma imagem de infância

            Nos já longínquos tempos da década de noventa um ser diferenciado habitou a minha casa. Era o Milu, um cachorro vira-lata que desprendia atenção das mais pacatas e “invibrantes” pessoas.
            Tinha aguçada a sagrada característica canina de conversar com os olhos. Certa vez, ao contar uma de suas incontáveis anedotas, minha mãe, uma jovem-velha alegre extraiu sorrisos atônitos de Milu, que pululava de um lado para o outro enquanto latia. Seus olhos germinavam pontinhos brilhantes. Os que estavam a ouvir as velhas lorotas da minha mãe, que tinha de cenário os idos tempos de nordeste, ficaram embasbacados com o jovem cão a fazer-se gente.
            Da janela de casa podia-se ver o serelepe cãzinho no quintal a caçar as borboletas; a língua pra fora, os malogrados saltos, as patas unidas nas tentativas frustradas de alcançar as coloridas asas do inseto. Entre uma tentativa e outra, um salto e outro, Milu olhava, de relance, para a janela onde estava como se me convidasse a caçar as intrépidas borboletas com ele. E seus olhos me humilhavam com aquela alegria simples.
            Começava a me intrigar aquele cão. Quando a fome se lhe apresentava, ele nos atirava um olhar sedento, o frio os fazia minguar, o calor os trazia sonolência. E assim, de sensação em sensação, do trépido rabo a balançar à língua pra fora a gotejar, de latido em latido, Milu conversava. Fazia-nos mergulhar no imaginário da linguagem, no mais absurdo das interpretações, no fantástico mundo das ideias. Milu era um livro do Graciliano, do Virgílio e do Vitor Hugo. Compreendida a clareza de seus gestos se chegava a palpar o seu interior, interior de cão, que nada mais quer além do interior do homem.
            Era um insulto aquele cão. Admirado por todos os vizinhos, assistido por todos os transeuntes, Milu adorava ser gente em meio a gente. Jogava baralho com a terceira idade na praça, corria de um lado para o outro na “queimada” das crianças, ajudava pessoas cegas e velhinhas a atravessarem a avenida e ria das lorotas de mamãe.
            As orelhas baixas, focinho fino, quase pontiagudo, as manchas negras e beges contrastando com o resto branco, o corpo e os gestos magros, simples. As patas eram as responsáveis por resplandecer suas vicissitudes.
            Eu era indiferente, me fazia de difícil com os encantos do vira-lata. Complexava-me com a humanidade integral do cão. Mas aos poucos fui me rendendo, como se faz aos livros.
            Foi nesse período de convalescença moral da minha repulsa implicante ao vira-lata que aconteceu uma das dores mais fortes da minha vida. Daquelas que deixa nódoas na alma.

            A tristeza de seus “fãs”, a minha tristeza. A morte de Milu. Como se herói fosse, no apagar do brilho de suas retinas.
           
            Todos em casa permaneceram cabisbaixos durante muitas semanas. Outros animais de estimação chegaram na tentativa (absurda) de substituir o cachorro que era homem. Claro que não deu certo, afinal aquele vira-lata não era homem, cão, gato, ou coisa alguma, era um ser abstrato incapaz de caçar borboletas. Milu era uma ideia insultante, dessas de revolucionários.

terça-feira, 22 de março de 2011

Asséptico Mal

O produto do mal é apenas vivenciado, como se uma onda de resignação pairasse por sobre a opinião formadora de opinião.
O mundo é globalizado e Iluminista. Os franceses da Revolução rejubilam, onde quer que estejam, com as nossas falácias puramente “racionais”. Até mesmo a coreografia do assassinato deixou de ser preocupação pública e o romântico assassino é um personagem retrógrado.
Questiona-se a inviolabilidade da vida, mas o conceito dominante que nos foi pregado sobre esta é o de liberdade. Ora, a vida nos condiciona liberdade ou ela é dotada de liberdade?
O mal não tem mais dono, pois a nossa própria existência é precursora do mal. Antigamente acreditava-se em Deus e seus desígnios divinos, atribuindo-lhe o castigo merecido à humanidade, hoje “o mal é autosuficiente”, preservado de microorganismos patogênicos, limpo, asséptico.
A natureza nos massacra. Ela transformou o homem, ao passo que este verteu-se a si, pelas vísceras e vomitando em seguida, que a ciência da natureza e suas leis seriam amplamente dominadas por ele. A tecnologia, tão messianicamente cultuada pelo homem perdeu a voz com a resposta da natureza enquanto terremoto/ maremoto no Japão. Japão, a nação da famigerada tecnologia.

Ecoam-me os resmungos de vovó, o leitor assíduo lembrará daquela senhora ingênua do “Vômito 2010”.

Não quero dar ares apocalípticos a essas linhas, muito menos convertê-las em sermão. Chamo atenção ao nosso papel histórico, pois estamos deixando de ser sujeitos da ação. Se a vida não tem significado, se o mal é humanitariamente, ou politicamente justificado, se as minhas convicções são opulentas e repletas de preconceitos ocidentais então invertemos os papéis. Sou coadjuvante dos “fins que justificam os meios”.
Prefiro acreditar nos monstros do mar, que vara-verdeavam as pernas dos navegantes do século XIV. Prefiro acreditar no mundo fantástico da Fábrica de Chocolates, ou no maravilhoso mundo de Alice, pois ali a minha Literatura (deixem-me ousar dizer isso!) seria compreendida. Ampliar-me-ia nesse mar de criaturas dantescas e nessa terra de coelhos falantes só pelo bel prazer de “injustificar” os fins pelos meios. Assim o mal teria dono, eu.

sexta-feira, 18 de março de 2011

A Galinha e o Ovo

A áurea feminina é um lugar inóspito. De tão transcendente que se faz a sua alma, perpetua no mais abobadado dos interiores masculinos a eterna dúvida sobre o significado de seus olhares, sorrisos, batidas de pé e sacolejar de cabelos.
Caro leitor, se “existem mais coisas entre o céu e a terra do que a nossa vã filosofia pode imaginar”, uma boa parcela delas se restringem às perfeitas anomalias e escancarados enigmas da alma de uma mulher. Não nos cabe entendê-las, reservou-nos o destino (como o ovo à galinha) apenas amá-las.
Você, assim como eu, por vezes, ao andar pelas ruas, já se deparou com casais que, de formas diferentes, se perdiam em ditames, alheios a tudo o que é de mais racional, nas famigeradas D.R.’s (discussão do relacionamento). Ou (o que é ainda pior) você, assim como eu, já passou por uma. Lá vai.
O homem tenta se manter intacto a todos os ataques desferidos pela moça e ela esbanja sem dó o utilizar de todos os seus recursos tipicamente femininos: a ironia, a omissão seguida de um “tá, então tá bom...” (que pode significar ameaça ou flerte – cuidado!), o choro, o rasgar do verbo, a contestação da sua masculinidade e, o pior, o olhar metafísico (em segundos seus olhos são capazes de expressar dor, tristeza, alegria, anseio, desejo, perdão, devaneio e tudo isso junto!), deixando o homem embriagado de indecisão e sem saber o que dizer. Ele tenta argumentar  qualquer coisa no que ela replica “Ah vá, você pode me dar mais que isso!” A vontade dele é treplicar: “A questão não é o quanto eu posso lhe dar, mas sim o que eu quero lhe dar.”  Mas o homem é fraco, na incapacidade que tem de dizer a verdade por inteiro ele cai nas redes lúdicas da mulher e na inquebrantável dúvida que lhe assola a alma, já que é incapaz de traduzir o olhar da moça e saber quais as suas reais intenções. Não quer desmontá-la em lágrimas e nem a deixar totalmente possuída do controle do relacionamento (a questão para o homem é sempre o poder). A mulher o faz se auto-afirmar no seu ilusório controle da situação e todos saem satisfeitos na medida que ela deseja.
A conclusão é que a mulher está para a D.R, da mesma forma que o homem está para a não compreensão da alma feminina, da mesma forma que o ovo está para galinha e da mesma forma que a vírgula está para este texto!

É tudo proporcional, ao passo que você me decifra se eu não te devorar.

terça-feira, 15 de março de 2011

A Morte e a Morte de Muamar Kadafi

           Ter por regra a ignorância das regras. Contemplar a fidelidade das normas ao povo que carrega consigo origens que não podem ser exterminadas e jogadas aos ventos ocidentais, ventos esses que carregaram consigo as “chamas que pulverizaram lembranças daquele que morreu na cruz”.
           
Era o ano de mil novecentos e sessenta e nove. Era mais um desses heróis que marcam na alma do povo o estigma da esperança. A imagem deflagrada do bem comum. A fantasia. A Líbia Monárquica. A Líbia do ouro negro, a Líbia do golpe de Muamar Kadafi.
Certa vez passou mal, entrou no hospital, pediram para aguardar. Aguardou todo o tempo e quando não tinha mais o quê aguardar foi em direção a uma sala-consultório onde se ria. Ria-se muito. Ao adentrar expôs que continuava a passar mal e não agüentava mais esperar no que foi respondido rispidamente que então fosse embora. Desfez-se da túnica e da manta que lhe cobria o rosto e deixou-se revelar. Era o então ditador da Líbia, o desregrado Kadafi: “Quero os nomes, amanhã estarão demitidos e extraditados.”
O maior Império Islâmico que já existiu: Egito, Argélia e Líbia. Era esse o sonho do jovem ditador. Colocar em primeiro plano os ensinamentos do Corão. No seu governo o “Jamahiriya” (Estado das Massas) não existem partidos, são tribos líbias as responsáveis por definir as atitudes estadistas. É como, a alguém que tem fome, oferecer-lhe apenas o cheiro da comida. Na prática a oposição é violentamente reprimida.
O princípio de ditadura nunca será substituído pela ditadura realmente implantada. Filósofos agradecem diariamente ao filho da puta do Voltaire, do Rousseau, do Marx e do cara a quem chamam Platão por lhes fazerem perceber os detalhes do relevo que tem cada lado da moeda. Tem-se de um lado César, do outro pode existir Muamar Kadafi. E é aqui, bem nessa parte que morre o “líder popular” da nossa história, o nosso herói. Morrem com ele muitos outros monarcas, presidentes e ditadores, como morrerá esse texto também.
A mulher a quem amo, por mais amada que seja nunca sentirá a real idéia de amor que tenho por ela. Pois nada substitui o valor que tem o racional mundo das idéias. Os amigos a quem considero família nunca terão de mim a real consideração, pois a minha democracia, a minha ditadura, a minha monarquia, a minha arte, o meu ser inteiro é apenas material, é orgânico e artificial ao mesmo tempo.
            Quando criança o mundo o recebeu de forma glacial. Num lugar onde o sol “dita” as regra. Cresceu vislumbrando olhares caídos, trôpegos dos irmãos que nasceram gretados pelo sol e pelo islamismo. O ditador é aquele que vislumbra olhares e percebe o dom que tem cada palmo de chão da sua amada nação. Constrói o futuro à partir do que já lhe foi vivenciado, mas todo ditador é mitificado pela tragédia que lhe causa o poder, a lança que perfurou o lado do Cristo.
No Mediterrâneo navega agora. Ao redor apenas a fria cor do mar. No céu contempla as estrelas que lhe transferem a tempos onde lhe impuseram novas formas de se viver que feriam todas as marcas originais que banhavam sua alma. Chora por todos os irmãos que não conseguiram enxergar nele a personificação do “bem comum” e que pelo fogo foram mortos. Fogo esse que lhe queima as mãos. Leva essas mesmas mãos ao rosto e grita gemendo, ajoelhado a primeira grande fase do seu “reinado”: “A Líbia necessita de alguém que a faça chorar, não rir.”
Chora e morre Muamar Kadafi, o nosso herói. Transcende para algum lugar, do qual sempre teve certeza que existia, onde moram agora todos os ditadores, presidentes e monarcas que um dia almejaram a felicidade alheia, mas caíram na falsidade moral que é o seu próprio ser.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Cru, Viscoso e Morto

            Morre de um tudo pelo mundo.
A voz do poder coletivo tenta se fazer ecoar no Oriente Médio, enquanto ditadores fantasiados de líderes populares deixam cair a fantasia déspota. No EUA Obama luta contra o bullyng, enquanto outros preconceitos matam mais gente. No Brasil a primeira “vitória” de Dilma acontece no fantástico mundo da Câmara e o dilema do Salário Mínimo (enquanto o crack mata 400 mil famílias). No Afeganistão as pessoas morrem (seja de morte matada, seja de morte morrida), enquanto a Al-Qaeda se mostra, impressionantemente, à quem das expectativas. Na Namíbia se morre de fome, de AIDS, de guerra civil, de tudo. Na Bolívia as pessoas continuam a urinar pelas ruas, na Venezuela também, mas tudo aparenta estar cheirando bem para os estadistas de lá. No Japão acontece o que todos os geólogos já previam: tremores, tsunamis e mais mortes. Morre vozes literárias filosóficas, Moacyr Scliar e Benedito Nunes (mais recentemente e em âmbito nacional).
            Antigamente me surpreendia com esse aspecto fúnebre das coisas, com a revelação da cor que tem essa tal de globalização, pálida, crua, viscosa. Hoje, me moldei à morte, ao fim natural das coisas, sejam essas táteis ou abstratas.
            Mas quem disse que a morte significa sempre o ponto final da vida e o trilhar triunfante do mal? Pode parecer clichê isso, mas o Brás Cubas uniu as duas pontas dessa história (perguntem ao Machado de Assis!).  É preciso morrer para viver (ou para se chegar ao real sentido da vida), eis aí um ensinamento que é cristão, judeu, islâmico, hinduísta...
            O Tempo é inviolável.
            As bactérias “nascem/brotam” se desenvolve, pára, declina arquejante e morre. Os sentimentos dos homens também.
A parafernália do homem-político, do sonho norte-americano, da ética nacionalista, da fantasiosa democracia íntima e coletiva, do valor do outro, da minha autocrítica, do pensar para existir, do bom selvagem, da utopia igualitária, do valor da mercadoria, do amor platônico, do pecado original e seu estigma social, ou seja, de tudo que é conceitual e meramente humano, morrerá.

E você, caro leitor, perdeu o dia lendo essas linhas tortas de um blogueiro kafikaniano, que troca flores por besouros escuros de dura carapaça na primavera, mas que formiga anseios capitalistas nas veias.
E o dia está quente hoje em São Paulo.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Mística do Bigode

            Famigerada guerra dos sexos!
Quantos foram os filósofos, literatos e críticos de plantão que pisaram no verde deste planeta azul pra não terem exaurido seus neurônios na busca interminável de respostas sobre a tênue e, ao mesmo tempo, distanciada relação entre os gêneros da espécie humana? Homem e mulher! Cada um buscando compreender-se no sentido existencial do outro. De fato, esta guerra continua. É contemporânea. Tendenciosa a se estender ao infinito sem que haja compreensão racional de nada. E nem precisa.
            Analisemos hoje o bigode. Sim, o bigode!
            Acessório significativo, histórico, simbólico e patriarcal do gênero macho. O homem, dentro da sua total afirmação, conta com o apoio dos pêlos para inserir-se e ter papel social. Já que não se pode mostrar os cunhões que se aflore o bigode!
            Quadradas conclusões “originais” colocaram o gênero feminino à margem inferior esquerda da posição do homem em termos de importância social, hoje, pobres de nós machos, parece que somos devorados por elas em pratos de porcelana. Mas, graças às forças da natureza, está lá o bigode para nos auxiliar. Sim, o bigode. Bigode é poder. Do quê seria Hitler sem seu bigode? Que arianos acreditariam na sua moral nacionalista sem ter as ventas embasadas em cabelos sutilmente penteados? E Nietzsche? Filosofaria ensandecido sem poder rodar o seu pontiagudo e florestal bigode?  E o do Sarney, que parece pêlos de cachorro vira-lata mestiço? E Marx, Chaplin, Freud, Einstein, e muitos outros machos intelectuais da história, teriam influenciado tanto os rumos das ciências sem terem seus bigodes para acariciar e, assim, fazer arejar suas geniais massas encefálicas?
            Fora a mística da virilidade presente no bigode. Parece que o homem torna-se mais homem, torna-se selvagem, torna-se leão e juba, tubarão e barbatana dorsal, gorila e “soco-no-peito”, torna-se macho! Claro que o leitor vai querer me questionar e derrubar essa tese pífia dizendo: “Ah, e o Fred Mercury?” Mas, nada é infalível. No entanto, temos que concordar que a virilidade exalada pelo bigode é de tal forma transcendental, que fez quebrar o tabu e mitificou o rock star homossexual.
           
Mas, estava eu a viajar nos pensamentos acima quando me deparei com um texto sobre Amor e Sexo de Arnaldo Jabor, onde ele diz o seguinte sobre “mulheres que barbeiam as partes”:

Acho lindo, mas não consigo deixar de ver ali nas partes dessas moças um bigodinho sexy... não consigo evitar... Penso no bigodinho do Hitler, do Sarney... Lembram um sarneyzinho vertical nas modelos nuas... Por isso, acho que vou escrever ainda sobre sexo...”

Achei melhor urinar a tese da virilidade do bigode e deixá-lo lá... imparcial, sem função fisiológica.

sábado, 5 de março de 2011

Vômito 2010

Caro leitor, eis-lhes um gorfo! 2010 foi mais ou menos assim para o emissor do "Cru e Viscoso": 


Alguém aí sabe me dizer o que foi que eu fiz? Sei lá! Algum ato cometido na linha da realidade que se entrecruzou com a linha do mundo fantástico, mitológico ou sobrenatural? Atirei pedra na cruz, quebrei o chifre do unicórnio, abri a caixa de Pandora, olhei nos olhos da Medusa, pus fogo em Roma, entrei sem tirar o tênis no templo sagrado de Buda, chutei vela de sete dias, pisei na grama do jardim da casa do Curupira ou fumei no cachimbo do Saci?
Pois olha, caríssimo amigo que, sem ter o que fazer, passa com os olhos por essas linhas mal escritas, as coisas não estão caminhando pra frente com o autor deste texto.
Lembro-me dos velhos resmungos de vovó, que já naqueles idos tempos eram velhos, rogando já o infindo descanso como remédio das dores, das decepções, das dívidas (que ela nem pagava e nem ao menos sabia que existia), dos filhos ingratos e do Corinthians, palavra esta que ela nunca soube pronunciar, dizia com dificuldades “Curinga”!  Pois é, ouvia vovó reclamar de tudo isso num som uníssono como se falasse uma palavra apenas e, meio que sem entender entendendo, me perguntava por que as pessoas velhas reclamam tanto? Será que não aprenderam nada em todos esses anos? E cá estou eu, mal aberta a segunda década da minha existência, reclamando! Ainda muito falta pra chegar na idade que minha avó tinha. Mas a fantasia do acaso carregado de negativismo já tomou conta da minha alma e sinto que a medida que o tempo passa me torno mais ranzinza.
Como é possível acontecer tantas coisas ruins com um só indivíduo em menos de duas semanas, ou como saldar algum lucro no fim de um ano como este? Se tem uma coisa pela qual sou apaixonado, essa é o futebol! Corinthiano de sangue preto e branco! Comecei o ano otimista e terminei sem ter nada no ano do Centenário do meu Timão. Muitos de vocês dirão “deixa isso pra lá, futebol não leva a nada”, mas algo que faz pulsar o coração leva a muita coisa. E o pior é ver o fim do Campeonato, regado a muito uísque, acabar de forma pífia. Da eminência de ser campeão passa para a “honrosa” terceira colocação!
No campo profissional sua vida é aquela rotina de máquina, que te faz enrugar com “aparência de felicidade”! Aquele ônibus lotado, aquelas poucas notas animalescas contrastando com as muitas notas fiscais que surgem ao fim de cada mês.
           No amor aprendi que o relacionamento mais douradamente duradouro que possa ser que exista é o seu por você mesmo, ou no máximo o seu pelo da sua mãe. Ainda assim permaneci sentado no divã, durante alguns meses. Sub-julgado pelas teorias psicoterapêuticas da pessoa amada que me fizeram perder a cor da alma, ir de encontro ao passional de mim mesmo, que fizeram converter-me naquilo que amo (como já disse o poeta tão desafortunado quanto eu) e ficar admitido na satisfação do outro. E logo assim me deixei aprisionar na armadilha daquilo que tinha como trunfo, como carta guardada na manga. Logo eu que sou fã e adepto dos modelos mais antigos de romantismo, adepto das flores e do chocolate, das faixas declarativas e das poesias acompanhadas de violão embaixo da janela. Doce engano. Os livros já me tinham dito. A vida também já havia me ensinado uma vez. Mas o que será que eu fiz, atirei pedra na cruz...? A análise psicológica dos seus gestos, das suas leituras, das suas palavras, das suas atitudes deve ser apenas sua, se outro o fizer (o novo homem ou a nova mulher, blah!) você perde a identidade, perde o humor, perde a paixão e perde sem perceber achando que está tudo bem, viu Jabor!? Também temos instinto e individualidades! Só sei que depois deste ano vou preferir ouvir as antigas entrevistas do Biro-Biro ao ler estas novas poesias de “liberdade caia com as asas sobre mim que sou novo homem ou nova mulher”, foi assim que o Nietzsche ficou “louco”. E tudo isso deve ser lido assim mesmo! Uníssono! Como os antigos resmungos de vovó!


quinta-feira, 3 de março de 2011

Pouco Lido em Obras Fúteis

Olá! Como este é o meu primeiro post no Blog, quero fazê-los conhecer-me.
Lembro a todos que a Literatura é o meu fígado, rins e pulmão, a imaginação é minha bexiga e coração! Portanto tudo que cuspo e urino e "doidera" total. Conheçam-me e voltem sempre. Lá vai!

Era o ano de mil novecentos e oitenta e nove. Vivia-se em constante expectativa. No Brasil, a democracia primogênita era motivo de orgulho da nação. Na Alemanha, caía com um muro a guerra velada, escondida, obscura. Disseminavam-se, sem medo, as ideias. Entrelaçavam-se as nações e o processo de globalização se intensificou ainda mais. O Afeganistão venceu a guerra, o Raul Seixas morreu, o Luís Gonzaga morreu, o Vasco da Gama foi campeão brasileiro, a Seleção venceu a Argentina na final da Copa América e a família Silva ficou maior. Nascia o autor dessas grosseiras linhas.
Os leitores mais cépticos enjoarão logo, aos mais afáveis acometerá um pesado sono. Mas lá vai, peço desde já a misericórdia de todos e principalmente de ti, professor.
Eu nasci sem muitas novidades. Dispensarei as exageradas dramaticidades do parto, pois ele foi complicado e complicações não são atrativas e não pertencem mais ao contemporâneo. Caso alguém queira saber, minha mãe está sempre disposta a contar detalhadamente a história do cordão umbilical me enforcando em seu ventre.
Eu cresci no bairro do Tucuruvi, na zona norte da cidade de São Paulo, “sentindo o puro ar da Cantareira”, como diz a canção. Filho de pais operários de sobrenome Silva, minha vida na infância transcorreu-se dentro dos padrões mais comuns do regime que derrubou o muro de Berlin lá no ano em que nasci. Futebol descalço na rua, esconde-esconde, queimada, polícia e ladrão, pião, pipas, bonecos do Jaspion e dos Pawer Rangers, carrinhos Ferrari e Lamborghini e muitos outros brinquedos e brincadeiras fizeram parte do meu mundo de criança.
Ocorreu-me aos cinco anos uma grave inflamação na garganta e foi então que passei pela minha primeira e única cirurgia. Tal enfermidade causou-me consideráveis mudanças na personalidade, pois no meu período de tratamento pré e pós-cirúrgico não podia me deliciar com um copo estupidamente gelado de Coca Cola, ou com um sorvete e, muito menos jogar bola descalço na rua. Sentia que todos apontavam pra mim e diziam “vejam aquele garoto que não pode fazer nada que seja legal”. Foi nessa época expressionista da minha infância que eu ganhei de meu pai um presente que mudou a minha vida, um livro. “A volta ao mundo em Oitenta Dias” do Júlio Verne, e é claro que eu, aos cinco, entendi pouca coisa da aventura, mas era legal ficar dizendo em voz alta as palavras das quais nunca tinha ouvido.
A pré-adolescência foi marcada, como no geral acontece, pelo surgimento das espinhas e a voluntariosa descoberta do poder do corpo. Foi quando percebi que o status de “mulher da minha vida” não estava restrito apenas à minha mãe, poderia sim, claro e transparente, dizer a qualquer menina “você é a mulher da minha vida”, em qualquer hora e a qualquer lugar.
Ler, ver e falar sobre futebol sempre foi uma paixão. Corinthiano de coração e alma preto e branco. Lembro-me como se fosse ontem cada detalhe da minha primeira visita ao Pacaembu para ver o Corinthians de Marcelinho Carioca jogar.
O período escolar é sempre o mais inesquecível, creio eu. Passa-se uma vida lá. Vê-se e ouve-se de tudo na escola. E comigo não foi diferente. Aprendi muita coisa que não deveria aprender e pouca do que realmente deveria, mas por mais metódico que fosse não conseguiria fazer diferente, afinal é “na escola que se aprende a viver”, dizia meu pai.
Foram-se os anos escolares, restava apenas o último ano do Ensino Médio e a dúvida fatal que me atormentava era qual carreira seguir. Afinal, não via em mim afinidade para nada. Tentei Matemática e desisti em poucos meses, Engenharia Ambiental também não me causou entusiasmos e fora outros cursos que quando não me agradavam simplesmente pegava as coisas e tomava o rumo do Tucuruvi.
Decidi pela área da comunicação. Sempre gostei de ler, escrever, passar muitas horas na internet... Quem sabe não valha à pena? No fim da minha vida acabarei sendo como um dos personagens do velho Machado de Assis mesmo, retrógrado. Todos seremos. Mas sendo do tipo “pouco lido em obras fúteis”, talvez um dia eu dê a minha própria volta ao mundo em oitenta dias e consiga escrever um livro, ou venda letras de samba pra viver. Quem sabe? O certo é que muitos muros de Berlin precisam ser derrubados!