quinta-feira, 24 de maio de 2012

Série Diário de Bordo: Tempo

           A peça no Teatro Macunaíma da última sexta-feira, em noite gélida, dessas que emanam odores de início de inverno e fazem ressoar tétricos uivos de vento, me trouxe uma sensação de compatibilidade com o mundo. Esse mundo real que oprime a vida. Vida que tem como grande maestro o Tempo, uma criação humana, mas que nos é inerente mesmo. Desconsiderá-lo significa morrer.
            Os quatro atores, em atos independentes e que bordaram as angústias de nosso cotidiano, se tornaram no palco instrumentistas do maestro, senhor e ditador. Enquanto acompanhava a encenação de casais que se conheciam, casavam, separavam e voltavam; novas mulheres que se desdobravam em trabalhar e cuidar de si, relacionamentos amórficos (ou incompatíveis com o que se tem como forma e tradição); mulheres que se angustiavam e buscavam as soluções mais óbvias de se lutar contra o peso do tempo, da gravidade e do oxigênio; e et cétare, me ocorreu o poeta mal humorado, o poeta da morte e do tempo, o velho Drummond:

Cortar o tempo

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra
vontade de acreditar que daqui pra diante será diferente.

            Senti-me ainda mais parte desse mundo, um mero sopro de vida. Bicho que, depois de solto, percorre de forma açodada todos os cantos, cada milímetro de chão, incapaz de parar e esmiuçar as verdades efetivas da vida: o sorriso largo de uma criança, o cheiro morno do café recém passado, as gostosas linhas da narrativa de Érico Veríssimo...
            A noite era gelada e os pensamentos que me sobrevoavam a cabeça também.

***
No fim, houve um debate sobre processo criativo. Uma confluência de palavras que disseram mais do mesmo. Referências são vivências. Vívidas vicissitudes, pra terminar de forma bem redundante e nelsonorodriguiana...
Acho que falaram de Nelson Rodrigues no debate. Mas os pensamentos que me sobrevoavam a mente eram como instrumentistas anárquicos... perdido no tempo e espaço.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Série Veredas Poéticas - "Alma Minha Gentil", de Luis Vaz de Camões

A Idade Média nos remete a várias imagens. A aristocracia, as grandes embarcações, a Igreja, a Inquisição, os trajes (para nós, hoje, de grande excentricidade).
            Luis Vás de Camões é nome portentoso no que se refere à poesia de Língua Portuguesa. E foi nesse período de grandes ebulições na história da humanidade, a Idade Média, que ele viveu. Camões é mundialmente conhecido pela epopeia “Os Lusíadas”, que narra, de forma aventurosa, grandiosa e heróica a luta de Vasco da Gama contra o Oceano Atlântico.
            Sobre a vida de Camões pouco se sabe. Sabe-se que foi um exilado da Corte portuguesa e que viveu de forma, se não errante, um tanto quanto nômade. Combateu para o rei Dom João III na África e na Índia, o que foi documentado pelo próprio Camões em cartas e peças cômicas escritas sobre esse período de sua vida. Camões é o maior nome do Classicismo de Língua Portuguesa. Tal escola artística quer retomar valores clássicos, que primam pelo rigor à forma e colocam a figura do homem no centro de todas as coisas.
Luís Vaz de Camões vivia escrevendo seus sonetos (na métrica oriunda da Itália, grande novidade do Classicismo) e amando várias damas, na verdade todas.

            O soneto abaixo, na humilde opinião do autor destas linhas sem graça, é um dos mais emocionantes do poeta; carrega o lirismo típico de um dos maiores nomes, quiçá o maior, de nossa língua:

Alma minha gentil que te partiste,
Tão cedo dessa vida descontente.
Repousa lá no céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste

Se lá no acento etéreo onde subiste,
Memória desta vida se consente
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te,
Alguma coisa a dor que me ficou
Da mágoa sem remédio de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que quão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

            Não se tem documentado, mesmo nas biografias mais antigas de Camões, a identidade de suas musas inspiradoras. Sabe-se que era homem espirituoso, bravo combatente, amigo fiel e um amante incorrigível.
            Também não se pode ter em conta que o cara “pegava geral”. Tá, o cara era bom, parecia ter jeito, era forte fisicamente, mas o gajo tinha um olho só, olho este vitimado num confronto em terras africanas.
            Duas coisas são notáveis no soneto classicista acima: versos decassílabos e as rimas no formato ABBA/ ABBA; CDC/ DCD. Camões é o grande nome da poesia portuguesa, seus sonetos e outros poemas (além de “Os Lusíadas”) foram traduzidas para muitas línguas.
            No soneto acima nota-se o platonismo no amor, o idealismo da relação com o belo; é ambígua a interpretação de que a personagem falecida, “se lá no acento etéreo onde subiste/ memória desta vida se consente”, tenha, realmente, sido amante do ‘eu lírico’. A religiosidade não é a tônica neste período artístico-literário. No entanto, o ‘eu lírico’ pede a intercessão do Senhor dos destinos do homem para elevar o seu amor  no âmbito etéreo, após a morte, numa espécie de negociata que já delineia um antropocentrismo latente.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Série Diário de Bordo - Palestra sobre Portfólio

Não tinha me dado conta da importância de um Portfólio em minha vida, pelo menos não nesse momento. Sou um acadêmico, aspirante a publicitário, devaneio um futuro platônico de redator, amo a cada dia que passa as letras, vivo em meio a elas, mas não produzo.
Preciso pensar.
Preciso criar horas para esses dias cada vez mais curtos e investir dores de cabeça na construção de um Portfólio – aquelas dores de cabeça que nos proporcionam as condições ideais para se pensar com finura, sabe?
Pois bem, a palestra da última sexta-feira me abriu os olhos. A professora nos fez viajar na história, mostrando-nos como surgiu, e o porquê do surgimento do Clube de Criação de São Paulo. No primeiro ano, o professor de Criação Publicitária nos deu a dica, pediu-nos para que víssemos ao menos o site, espiássemos o seu conteúdo, só para se ter em conta. O anuário do Clube me parece ser algo interessantíssimo, uma ferramenta de pesquisa quase que elementar, eu diria. Visto que ali se condensa o supra-sumo da propaganda no Brasil.
A professora nos mostrou alguns trabalhos, alguns portfólios on-line, de forma um tanto quanto atrapalhada, visto que o sinal de internet não contribuía, mas ela se saiu bem.  Professora da ESPM, lamento não ter conseguido anotar seu nome. Primeiro porque ela não se apresentou no início da palestra, segundo que necessitei sair antes do fim. Mas o que vi foi bom e importante.
Achei interessantíssima aquela história do equilíbrio das peças de um portfólio. Na verdade, ele é o meu produto, a agência o meu público alvo. Se eu pretendo alcançar a redação, preciso dar ênfase aos trabalhos textuais, fazendo-os sobressair às imagens. Elementar!
Pelo visto vem mais trabalho para o professor de Redação!
Aos poucos vamos construindo um Portfólio e dúvidas são tão frequentes nessas questões, quanto pizzarias em São Paulo!