segunda-feira, 4 de julho de 2011

Propriedades dele e dela - Parte I

          Passaram-se décadas desde o seu epílogo de amor. Vivera todos esses anos no enclaustro da dúvida, da angústia. Aquela paixão arrebatadora, aquele infindo mar de prazeres inequívocos, certos e parelhos. Toda aquela sensação de companhia certa, almas originárias de apenas uma aura. Mas teve fim, um fim precoce. De uma explosão divina de felicidade para um marasmo de resignação.

            Ele, na condição de irrefletido do cotidiano, passou a murmurar sonhos dos quais ela era a pedra fundamental. Essa pedra fundamental era um misto de ingenuidade angelical, sinfonia de harpas, confluência de líquidos prazerosos, odores inebriantes com alma maledicente, intencionalidades falaciosas e periculosidades pré-menstruais. Como espelhos, um recôncavo e outro convexo, parelhos... a mirarem-se numa mútua peleja de expressões divinas e diabólicas.

            Seus sonhos murmurados eram nada mais que necessidade fisiológica. As funções no organismo regidas pelos sentimentos agora lhe borbulhavam todo o corpo, nessa metafísica desvairada que todo homem precisa ter para AMAR. Ela, na condição de mulher, já nasceu preparada, permanece mergulhada no canal que liga a resignação com a expectativa, o desinteresse com a perplexidade, a intelectualidade com a dualidade da emoção.

            Ela é argumentativa, crítica, moral, espirituosa, externa todos os seus pontos de vista e lhe injeta doses cruas de realidade. Ele necessita se inteirar de sentimentos, necessita percorrer todos os meandros da dor que é AMAR e se sentir amado, precisa ser uma coluna espessa de imaterialidades, ela é a lacuna dessa irreal coluna, uma lacuna que será preenchida por uma ideia sensível e tangível.

            Mas o amor é um só, e ele é inteiramente maleável, é uma massa redonda onde uma grande quantidade de matéria pode se desligar do núcleo e se vincular a outros corpos, o amor divisível é próprio do homem, próprio de sua natureza. E para os nossos dois personagens, ele e ela, a intelectualidade amorosa dela fê-lo se tornar perito no especular da intuição, na afetividade oriunda dos sentidos. O homem ouve, cheira, come e ama.

Continua...

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