sexta-feira, 5 de abril de 2013

Dissertação, o velho Buk e o papel da Literatura

DISSERTAÇÃO
Língua Portuguesa III
Organização e encadeamento de ideias.

Hoje é sexta-feira, o clima na cidade é sempre o de expectativa pela chegada eminente do fim de semana. Tenho alguns livros espalhados pela mesa. Vejamos... Bukowski, Bolaño, Alan Pauls e Vinícius; os de sempre! Preciso escrever uma dissertação para a aula de LP III.
Já sei, vou escrever sobre o Bukowski. Pausa para uma pesquisa...
Pronto, li algo a respeito. Mais sobre a opinião da crítica literária na época do boom da sua literatura. Sobre a óbvia comparação que fariam dele com Jack Kereouc – e que, por sinal, o velho Buk detestava. Afinal, a libertinagem dele era machista, enquanto que o discurso escatológico dos beets era mais liberal e seus temas prediletos eram viagens e o jazz, enquanto que Buk sempre preferiu a verdade do cotidiano da classe operária. A forma de encarar a vida é amarga nos contos de Charles. O sexo e a bebida são como fugas, simples e eficazes, de uma organização social hipócrita e de guerras marcadas pela busca implacável do poder.
Tudo bem, a pesquisa surtiu efeito, mas é necessário escrever algo mais específico. Talvez sobre a escatologia na obra de Charles Bukowski, ou sobre o caráter autobiográfico de sua obra, ou até mesmo sobre a figura masculina e os tipos burlescos de suas personagens centrais. Não sei... A autobiografia expressa em sua obra me parece legal. Posso até fazer uma brincadeira e encarnar o velho Buk – velho safado! -, dando a entender que a dissertação é escrita por ele mesmo. Mas, não. Dissertar é coisa séria, é escrever e emblematizar todas as três fases do signo, como disse o doido do Pierce. E, afinal, isso aqui é um trabalho acadêmico. Aliás, Charles mandava o academicismo e a adequação ao modelo literário vigente às picas. Detestava rótulos! Posso escrever sobre isso também. Mas prefiro ir a fundo à questão, quero falar sobre ele, Buk! Sua poesia, contos e romances são sinceros. Para a maioria dos escritores, escrever é uma necessidade no sentido mais intenso que essa palavra possa expressar; como água no deserto após horas e horas de sede e calor! E isso se torna vivificante para o leitor despreparado que se depara com a obra de Charles Bukowski. Ele escrevia sem almejar status nenhum, escrevia porque, talvez, fosse necessário, para jogar panos quentes na sua solidão. Algo que, provavelmente, o álcool e as corridas de cavalo não faziam totalmente.
É sobre a expressão de sua condição e veracidade de sua obra que quero falar. E, talvez, traçar uma perspectiva de autores mais sinceros, mais comprometidos com a verdade. Ficção é e sempre será uma alegoria, uma metáfora da alma humana. E o velho Buk fez isso como poucos.
Vamos ao texto! (Sem pensar que já nessa divagação toda aqui acima possa ser, veja bem, possa ser que tenha dissertado).

A DISSERTAÇÃO

            Apresentação do tema: Charles Bukovski e o caráter autobiográfico de sua obra. A limpidez suja da sua condição expressa sem vírgulas e meias palavras.
            Desenvolvimento I: A crítica, a opinião. O que normalmente se espera dos escritores. O que diziam de Charles. Literatura comercial.
            Desenvolvimento II: O papel da literatura versus a expressão do autor, tentando realizar aqui um contraponto com os argumentos do Desenvolvimento I.
            Conclusão: A coragem do velho Buk em ser autêntico diante de uma nova ordem social que clama por chavões que entronizem seus modelos consumistas de vida.
O título vem sempre por último, sempre!
  



O Velho Buk e o papel da Literatura
Tratar de literatura é sempre prazeroso, mas torna-se libertino e obsceno (com o perdão à possível redundância, mas libertinagem e obscenidade querem apenas se casar neste contexto) quando a referência é Charles Bukowski. E se torna um soco no pé do estômago quando encaramos a veracidade da sua obra, a sua falta de meias palavras e a sua truculência crua e inequívoca, que expressou muito bem toda uma classe, um grupo significante de pessoas, aqueles que ficam à margem.
Os críticos de literatura, alguns, pelo menos, querem elencá-lo ao lado de Kereouc e os beat’s, justamente por conta do jeito despojado de escrever, da bebida, a sensação de escória que o submundo descrito pode proporcionar ao leitor. Aliás, Bukowski passou muito tempo para ser descoberto, para ter a sua literatura aceita. Muito por conta de dois fatores: o primeiro é que a elite quer arte e inovação e excelência na norma. Outra, porque cresce, desde o pós guerra o interesse em livros comerciais e em literatura de auto-ajuda. E, nesses dois aspectos, o velho Buk em nada pode contribuir, segundo os críticos. O que se espera dos escritores são os traços estilísticos, a construção narrativa, um tema atual e aplicável à sociedade e, claro, o lucro.
Isso nos faz pensar, em contrapartida, no papel da literatura. Lembremos aqui da entronização de Homero que, com literatura, trouxe a luz da metáfora para a construção do pensamento filosófico na antiguidade clássica. Charles nunca se preocupou com o academicismo, nem com a escola literária vigente, nem com os novos meandros estilísticos da literatura. Preocupou-se apenas em expressar, em descrever algo que fosse seu, que lhe pertencesse. Ambiente que se aproxima de outros dois autores, também norte americanos, Henry Miller e John Fante – escritores do submundo. Outra parte da crítica traça Charles como o escatológico, o machista, o anarquista, o politicamente incorreto. Seria correto afirmar tais adjetivos, mas até onde podemos adjetivar em se tratando de literatura?
            Devemos, sim, exaltar o velho Buk e sua coragem e nos perguntarmos, como ele quem é que deu a referência para sermos taxados de loucos. O submundo existe, bem como a exaltação à opulência e o incentivo à conduta consumista. Charles Bukowski sempre esteve à margem disso, e a sua literatura expressou, informou o mundo disso! O caráter autobiográfico de Bukowski existe em todos que se propõem à escrever ficção, porque as palavras não se dissociam dos dedos do autor e nem de suas experiência. Talvez, em Bukowski, devamos repensar o papel social e artístico da literatura.

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