terça-feira, 23 de abril de 2013

Reflexões de uma abduzido - Capítulo I

Era um domingo esquálido, de um frio envergonhado que se mostrava incapaz de mostrar toda a sua fúria. O Sol apenas iluminava. Eu ainda estava cambaleando, encontrava-me um tanto torpe por conta da boemia do sábado passado, a madrugada do sábado e suas estrelas apagadas. Muitas cervejas e risadas, em seguida a solidão de uma cama vazia. O normal, o certo, o irremediável! Dias atrás fui convidado a participar de uma festa de música eletrônica. Detestei a porra do convite com a mesma intensidade que detestava música eletrônica. Batidas esquizofrênicas programadas por um software que fazia as vezes do músico. Sempre achei artificial! Mas, nestes dias incompreensíveis me encontro numa fase em que o “sim” é a única resposta. Decidi entrar de cabeça nas oportunidades e depois encarar de frente as conseqüências, sejam elas físicas ou psicológicas. Bom, em resumo, fui. Agora vou contar como seu deu a porra toda!
            Cheguei ao lugar repleto de preconceitos e amarras. Deparei-me logo de cara com pessoas felizes, bonitas e jovens. Achei ainda mais artificial, um paraíso de pessoas se movimentando como retardados. Artificial. Mas o artificial pode vir a conotar uma série de significados. Depende do ponto de vista, sempre depende disso! Não era uma casa de shows, parecia-me mais uma chácara no meio do nada. Enfim, perguntei aos meus amigos que horas aquilo tudo terminaria para que pudéssemos simplesmente tomar uma cerveja gelada, um uísque barato e nos embriagarmos como sempre fazíamos. No que eles me responderam que terminaria por volta das dez da noite. Quase tive um acesso de ódio. Um ódio mortal daqueles dois belos representantes da pior espécie de filhos da puta! O que eu faria durante todo aquele tempo em meio a pessoas artificiais e obscenamente opulentas? Decidimos tomar uma catuaba. Aliviou um pouco a minha tensão, mas o ódio continuava intenso.
            Fui pra perto da caixa de som, uma furiosa caixa de som que vinha acompanhada com dois telões de led. O telão transmitia um labirinto e aludia a alguém que sofria uma perseguição e se perdia em meio às inencontráveis saídas. Alguém me soprou próximo ao ouvido que a música era um quebra cabeças. Quis virar de imediato com o punho cerrado a voar certeiro de encontro ao nariz do safado que me assoprou tamanha estupidez, mas me contive.
            Num dado momento, ouvi uma conversa entrecortada de dois indivíduos:
            - Agora que você tomou e só esperar! Disse um deles.
            - Esperar o quê? Retrucou o outro.
            - Esperar ficar fritinho, como se fosse um ovo numa frigideira! HAHAHAHA...
Dirige-me de imediato aos representantes de pelos-de-rato-e-filho-da-puta dos meus amigos e perguntei que história é essa de fritar. Um deles me respondeu, simplesmente, com ares de quem sabia o que estava dizendo e já esperava pela minha pergunta:
            - Exatamente!
            Decidimos então tomar mais uma cerveja e uma catuaba para dar uma aquecida. Um dos meus amigos algozes me ofereceu um comprimido. Pensei comigo mesmo que aquilo significava um pedido de desculpas por ter me colocado naquela fria, sabia que o ódio consumia cada fibra do meu corpo e sabia que de uma hora pra outra uma dor de cabeça frenética engoliria cada um dos meus preguiçosos neurônios. Ele me entregou e disse:
            - Tome na hora que for necessário - disse de maneira leve, simples, com ares de conselho. Conclui que esse cara, meu amigo do peito, não passava de um exótico espécime de babuíno do rabo vermelho em extinção no Sirilanka.
             Guardei o comprimido e esperei a dor de cabeça vir ao meu encontro. Nesse momento tive uma ideia genialmente estúpida: tomar o comprimido antes para que os anticorpos já estejam em modo de ataque quando a temível dor de cabeça vinda das terras dos gigantes situadas no alto da estratosfera terrestre aparecer. Tomei usando a catuaba pra fazer descer o meliante. Desceu. Sentei. Esperei alguma reação, um alívio, um suspiro, um peido, sei lá, qualquer coisa. Foi aí que tive a impressão de que aumentaram o som. Praguejei as próximas dezenove gerações daqueles veados. Alguma força ulterior me fez querer presenciar os labirintos esdrúxulos dos telões de led. Felicitei-me com as novas animações. Agora a alusão labiríntica não era de perseguição e sim de procura, como uma caça ao tesouro. Eu me sentia exatamente assim, procurando algo, talvez uma sensação. Queria poder participar da mesma vibe que aqueles retardados artificiais. Queria artificializar. Decidi deixar a coisa acontecer por si só. Permaneci acompanhando os desdobramentos do telão enquanto aspirava aquela sensação atípica na minha vida, felicidade!

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