quinta-feira, 4 de abril de 2013

James, o publicitário que escreve no fluxo da consciência - Última parte

Todo dia assim e outro também. Bêbado num e ressaca noutro. Uma droga! É divertido, mas já ta me enchendo. Sabe como é. Não é todo dia que você se depara com um problemão desses: criar algo baseado na ética e na moral e nos direitos e o caralho a quatro... Onde aquele puto estava com a cabeça? Provavelmente enterrada no rabo.
            Bom, passou já! Chegou o grande dia. Sentei-me diante do computador, meus dedos já latejavam, ansiados pela gana de destruir aquele teclado em prosa e poesia. É a mecânica do escritor. Sim, deve ser. Como dizia o Leminski com aquele bigode de sábio chinês: Escrevo. E pronto. Escrevo porque preciso/ preciso porque estou tonto.
            Porra, eu estava precisando escrever, e rápido. O prazo estava estourando. Segui a lógica do Leminski, quase coloquei uns bigodes postiços pra entrar na áurea dos haicais ritmados, mas nada. A cabeça era um coco gelado, sem água. Pensei: “Porra, James é fácil! Escrevo. E pronto. Tá tudo acabado, um job a menos dançando abaixo da atmosfera. É só sentar o dedo nesse teclado imundo com crostas de grude nas letras “j” e “f””. Falando nisso, preciso trocar essa porra de PC. Dar uma modernizada nisso aqui. Uma limpeza também não seria nada de ruim! Pra todos os cantos que minha vista alcança não há nada além de bitucas de cigarros, latas amassadas de cervejas de várias marcas, copos sujos, embalagens de comida congelada (Deus, ta aí uma inspiração boa que o senhor deu ao homem: o microondas!), e garrafas de vodca e uísque, estas das piores marcas.
            Meu raciocínio ia da palavra “ética” à palavra “moral” num zigue-zague frenético. Aí, veio o estalo! Um click! Sublime, divino, esplendoroso. O Leminski escreve porque está tonto? Bem, fiquemos tontos então! Preparei uma bela caipiroska (suco de limão e vodca ruim). A lógica era simples: bebo, penso e escrevo! Trabalho finalizado.
O relógio marcava quinze horas. O trabalho precisava ser entregue até as dezenove e vinte. Preparei outra caipiroska. Nada! Coloquei um James Brown pra tocar, pra ver se vinha aquela inspiração do gueto na voz rompante do Get up (get on up)! Nada!
            Dezesseis e trinta. Na tela do PC se via apenas a palavra “ética” e o cursor insistente a piscar e piscar e piscar... Terceira caipiroska! Isso, pensei, vou preparar mais uma e, aí sim, ficarei tonto! Só tontos escrevem. Tontos ao quadrado escrevem sobre ética e moral e arranjam daí uma maneira freudiana de incitar pulsões sexuais, mais conhecidas como necessidades. Necessidade de consumo.
            Fui pra rua, comprei uma garrafa de conhaque, o mais barato e mais danoso. Os melhores! Voltei pra casa, sentei-me. Abri a garrafa e mandei um trago no gargalo mesmo. Desceu rasgando e fritando, senti-o gritando pro fígado “pro chão, caralho, mandei ficar no chão, isso aqui é um assalto!”
            Necessidade de consumo e ética. Lembrei do livro com a voz do velho Bulk me dizendo para falar a verdade, pura e simples. A verdade, a necessidade e a ética: Caralho!
            Resolvi então fazer o que os escritores fazem. Comecei a digitar, com frenesi. Dava algumas paradas pra sorver o conhaque de poucos reais. Existia ética naquele conhaque. Ele era verdadeiro, não queria ser o melhor conhaque do mundo. Era só um conhaque de buteco que custava alguns poucos reais.
            Escrevi tudo isso que vocês acabam de ler e entreguei o trabalho. Entrei cambaleando, trôpego e com a roupa amarrotada na sala. Deitei os papéis da minha história na mesa do professor que surriu, um sorriso hipócrita, horrível de ver:
            - Qual o produto que você escolheu? Disse-me, na maior cara de pau, o puto!
Respondi atravessado:
            - Prostitui-me!

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